As expressões são praticamente as mesmas, de completo cansaço. As incansáveis batidas de picareta, a habilidade exigida para manusear o martelete e a força para colocar a terra nos carrinhos de mão são ações que não superam a vontade de chegar ao mineral mais desejado na Serra da Borda, na cidade de Pontes e Lacerda (443 quilômetros de Cuiabá), o ouro. Até o momento, a forma usada para extrair as pepitas preciosas é totalmente manual pelas quase cinco mil pessoas que se encontram no local e, segundo um geólogo que realiza uma pesquisa na área, é a que menos afeta a consistência do solo.
Seguindo o caminho da serra mais movimentada do Estado e já apelidada de “Serra Pelada de Mato Grosso”, pode-se ver os buracos feitos pelos garimpeiros e “aventureiros”, como são chamadas as pessoas que nunca tinham pisado em um garimpo, mas que pela curiosidade ou por influência de outros, também fazem parte da “corrida pelo ouro” mais falada do país.
Já no pé do morro, famílias e grupos de garimpeiros armaram tendas e limitaram um pedaço de terra, a qual será explorada por eles enquanto o garimpo, que funciona de maneira ilegal, for mantido. Homens, mulheres, idosos e adolescentes, de todo lugar do Brasil e de todas as idades, todos estão ali motivados pelo tão desejado encontro das pepitas de ouro.
A subida é muito íngreme, o que torna a caminhada ainda mais difícil de concluir. Ao olhar para cima, é possível ver um enorme formigueiro de gente, tendas, vendedores ambulantes e muitos buracos, tantos que o risco de cair dentro de um é iminente. Um corrimão de corda foi improvisado para auxiliar na trajetória. Antes disso, diversos acidentes já haviam acontecido ali.
O sol parece mais perto de quem está na serra, o que resulta em muitas pessoas passando mal, já que além do calor, existe inalação da poeira provocada pelas perfurações do solo e a água potável é mais rara que o ouro, porém, tão valorizada quanto o mineral. Uma garrafa de 500 ml é vendida por R$ 5 no início do morro, mas dali em diante, já passa a custar o dobro.
São tantas as escavações com uma média de 12 a 18 metros de profundidade, que é impossível de contabilizar. O uso de geradores também é comum, o tempo todo se encontra grupos de cinco ou mais homens se revezando para subir a serra carregando os motores movidos a combustível e que pesam em média 250 quilos. São eles que fornecem a energia para iluminar os buracos e os marteletes e ajudam a manter um trabalho de 24 horas por dia, quantos dias aguentarem.
Existe escavação que já não se vê o garimpeiro de tão funda que é. A segurança no campo de trabalho ainda é precária. A escada para descer é feita de corda e presa a estacas fixadas em um solo que já não é mais tão resistente quanto antes. Todos reconhecem os riscos, alguns utilizam até muleta, pois tiveram fratura ao torcer o pé ou por ter escorregado e rolado alguns metros abaixo, mas ninguém quer sair da serra. Há também aqueles que já fizeram um bom “pé de meia” e ansiando por mais lucro, investiram em equipamentos e materiais de segurança. “Tudo para ter a amarelinha”, diz o proprietário de um supermercado, que fechou seu estabelecimento para ir em busca do ouro de Lacerda.
A desconfiança é um dos sentimentos que mais se vê nos olhos dos que estão na Serra da Borda e é um dos motivos da demarcação de terra por todos os lados e a insistência de permanecer no local. Ainda assim, é possível encontrar solidariedade entre os garimpeiros quando o assunto é assistência com alimentação ou saúde.
O banho é considerado um luxo, muitos homens e até mesmo mulheres ficam de cinco a oito dias sem saber o que é sentir a água e o sabonete passando pelo corpo. Eles dormem ali mesmo, sobre a terra ou no máximo sobre um pedaço de espuma. “Nem podemos dizer que dormimos, porque o barulho alto das escavações percorrem à noite toda. Se não conseguimos fechar os olhos, a gente pelo menos tenta descansar o corpo por algumas horas”, diz o descarregador de caminhão, Antônio Oliveira, natural de Pernambuco e que está em Pontes e Lacerda há 15 dias.
O mestre de obras Francisco Vieira, 40 anos, é de Goiânia (GO), mas já está na cidade mato-grossense há oito dias. Descendo a Serra da Borda, ele chama a atenção de quem segue o sentido contrário por estar carregando diversas ferramentas utilizadas para garimpar o ouro. “Temos que investir. Cheguei sozinho, mas aqui encontrei pessoas parceiras e montamos um grupo. Juntamos o dinheiro que conseguimos na primeira extração e já compramos mais ferramentas para poder facilitar nosso trabalho”.
Vieira criou um tipo de colete manual, onde consegue prender uma picareta, uma bateia e um detector de metais. “O colete ajuda na hora de subir e descer o morro. É bem pesado, mas vale o sacrifício”.
Algumas pessoas, principalmente os homens mais velhos, se mostram incomodados com a presença da equipe de reportagem, olham desconfiados e uns chegam a ameaçar. Para eles, a divulgação do garimpo ilegal pode atrair mais concorrentes e motivar a interdição do local, que já foi solicitada pelo Ministério Público Federal (MPF).
Mulheres de todas as idades também se arriscam para encontrar nem que seja uma pequena porção de ouro. Na fila da entrega do réco (terra que sobra das escavações e que geralmente tem pequenas pepitas), elas são a maioria. Porém, se observada no universo local, não representam se quer 10% das pessoas que estão ali. Por isso, elas chamam a atenção dos olhares masculinos por onde passam e chegam a receber propostas para ficar com os homens ou somente tirar a roupa.
Do pé ao pico da “Serra Pelada de Mato Grosso”, não importa se é escavando, pegando porções de terra na fila do réco ou até mesmo se prostituindo, o que importa é ter em mãos a pedra de brilho amarelo e com 99% de pureza, o tão desejado ouro.