Um estudo realizado pela Universidade de São Paulo (USP) em 1988, em ocasião do centenário da Abolição da Escravatura, questionou aos entrevistados: “Você tem preconceito?” e “Você conhece alguém que tem preconceito?”. Em resposta à primeira pergunta, 96% da população disseram não; à segunda, 99% responderam sim. “Todo brasileiro se sente uma ilha de democracia racial, cercada de racistas por todos os lados”. A frase, atribuída à antropóloga Lilia Schwarcz, 57 anos, dá a dimensão do desafio no enfrentamento da discriminação em razão da cor da pele. Racismo é o tema a ser abordado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), na semana entre 3 e 9 de novembro, como parte da campanha do Mês da Consciência Negra.
“O conceito de raça vem sendo questionado desde o pós-guerra, e há hoje um entendimento de que a única raça existente é a raça humana. No entanto, sociologicamente, as pessoas ainda são diferenciadas pelo fenótipo e pela origem. Em função disso, são discriminadas. Inclusive, algumas ideias que imaginávamos já superadas, como a de superioridade física de um grupo a outro, persistem e são externadas pela população”, explica o professor Ivair Augusto dos Santos, do Centro de Convivência Negra (CCN) da Universidade de Brasília (UnB).
Na opinião da coordenadora de projetos do Centro de Referência do Negro (Cernegro), Lucimar Martins, não há democracia racial do país. “Essa falácia de que o Brasil é uma democracia racial cai por terra quando a Constituição Federal é promulgada, em 1988. O próprio texto criminaliza o racismo. Como poderíamos criminalizar o racismo caso ele não existisse?”, questiona.
Segundo ela, uma das formas de sensibilizar a população é dar destaque às atitudes racistas para poder combatê-las. “É importante focar na discriminação racial, que é a materialização do racismo, o próprio ato de discriminar. É preciso partir da premissa de que o racismo é uma realidade para poder enfrentar a questão”.
O conceito de racismo é entendido não somente como a conduta discriminatória em razão da cor da pele, mas também em decorrência de raça, religião, etnia ou procedência nacional.
“Hoje o conceito de racismo foi desdobrado e chegou-se ao chamado racismo institucional. É o caso de servidores que, investidos de cargo público, atendem de forma diferenciada um negro ou um homossexual, por exemplo. Estamos falando das consequências desse racismo nos órgãos públicos, de como essa prática é utilizada para excluir pessoas e negar direitos”, argumenta Lucimar Martins.
Durante o mês de novembro, MPT realiza a campanha Mês da Consciência Negra para a efetivação da igualdade racial no Brasil. Ao todo serão abordados quatro temas: raça e racismo (3 a 9), violência contra negros (10 a 16), discriminação no ambiente de trabalho (17 e 23) e cotas raciais (24 e 30).