“A conduta deles foi absurda e não condiz com o que se vê em treinamento. Ter apenas um único tiro e não responder não está de acordo com o que é treinado”, afirmou, nesta segunda-feira, o comandante do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), Ronaldo Roque. O policial foi uma das testemunhas ouvidas na ação que apura a morte do tenente da instituição, Carlos Henrique Scheifer, em 2017, em Matupá (207 quilômetros de Sinop).
O oficial realizava operação em área de mata, contra uma quadrilha de assaltantes a banco que agiam na modalidade conhecida como “Novo Cangaço”. Ele era líder da equipe de 4 policiais que realizam buscas na mata e foi atingido por um tiro de fuzil, que teria partido de um criminoso, mas depois se descobriu que saiu da arma de um colega de farda. Outros dois participavam da operação e sustentaram a versão de ataque.
Durante o depoimento, o comandante teceu duras críticas ao grupo. “Eles terem inventado tudo é muito grave. A mentira vai contra tudo o que o Bope prega”, declarou no interrogatório na 11° Vara Criminal e Justiça Militar de Cuiabá. Segundo ele, “naquele momento todos sabiam que o tiro tinha saído da arma” do colega de Scheifer.
Conforme o comandante esclareceu ao juiz Marcos Faleiros e ao Conselho de Justiça, a versão apresentada pelo trio era de que eles estavam caminhando às margens da estrada, em área de mata fechada e à noite, quando o tenente foi atingido na barriga, por um tiro de fuzil. O tenente caiu próximo a um dos colegas, que seguia logo a sua frente, e o grupo o colocou na viatura para encaminhar até a cidade de Matupá para atendimento médico.
No depoimento, Roque pontuou que a conduta da equipe foi inadequada. Para ele, ainda que o disparo tivesse partido do inimigo, eles deveriam ter atirado de volta, mesmo sem identificar o alvo, a fim de proteger o colega que iria resgatar a vítima até um lugar seguro. O que não foi feito. Pois, segundo Roque, houve apenas um disparo no local, que partiu da arma do policial do Bope.
Roque destacou que acredita que, apesar na conduta inadequada, o trio não se articulou para matar o tenente. “Se me perguntarem se quis matar, eu não consigo dizer nem que sim, nem que não. Mas não consigo imaginar que eles mancomunaram para o homicídio. Agora, a mentira que inventaram depois é algo grave e eu não posso deixar de falar”, frisa.
Scheifer havia assumido o cargo no Bope poucos dias antes do crime e tinha recebido a denúncia de abuso de poder envolvendo o policial acusado, contra uma advogada. A vítima repassou a queixa ao superior e logo o procedimento contra o réu foi arquivado. O fato é levantando como um possível motivo para que o colega de trabalho atirasse contra a vítima.
Questionado, o comandante afirma que não acredita que esse seja o motivo e que queixas contra policiais são comuns, assim como repassar o termo ao superior é obrigação do oficial que a recebeu. “O militar deve saber que isso acontece e não levar para o campo pessoal. Pois é obrigação do oficial repassar a queixa”, descarta.
Indagado sobre a personalidade do acusado, se havia reclamação contra ele ou casos de outros militares que não queriam compor a mesma equipe que o réu, o comandante disse que isso nunca chegou ao seu conhecimento. “Já ouvi dizer que ele é impulsivo, acelerado, mas nunca que alguém não quisesse trabalhar com ele”.
Antes do comandante, o soldado Daniel Ortega Zanatta e sargento Maciel Alves da Conceição foram ouvidos e narraram operação realizada horas antes da morte de Scheifer. Policiais do Bope tinham auxiliado na prisão de dois acusados de integrar a quadrilha do novo cangaço na cidade de União do Norte e um terceiro suspeito foi morto no local.
Scheifer morreu com um tiro no tórax durante operação de busca a suspeitos de assalto a bancos. Inicialmente foi informado que teria sido atingido por bandidos. Porém, uma perícia técnica comprovou que foi do fuzil de um cabo da PM que saiu o disparo que atingiu o tenente do Bope. Outros dois policiais foram denunciados como cúmplices ao dar a versão sobre a morte no confronto.
A motivação do crime, segundo o Ministério Público Estadual (MPE), foi evitar que o tenente Sheiffer adotasse medidas contra os denunciados que pudessem resultar em responsabilização e até mesmo eventual perda da farda, por desvio de conduta em uma operação que culminou na morte de um dos suspeitos de roubo na modalidade “novo cangaço”.