Atos de tortura praticados pela tenente do Corpo de Bombeiros Militar, Izadora Ledur de Souza, durante treinamentos de alunos, foram confirmados nos primeiros depoimentos de testemunhas na 11ª Vara Criminal Militar. Além disso, Comandante do Corpo de Bombeiro apontou erro da própria instituição em cobrar a travessia em lago num curto tempo de curso, justamente o treinamento no qual o aluno Rodrigo Patrício Lima Claro, 21, passou mal e acabou morrendo. Ledur é acusada de tortura e omissão na morte de Claro, ocorrida em dezembro de 2016, na Lagoa Trevisan.
Um dos alunos que também fazia curso de formação para bombeiros, Maurício Júnior dos Santos confirma que desistiu do sonho de “salvar pessoas” temendo pela sua vida pelas agressões de Ledur. Segundo ele, outros alunos também sofreram tortura e muitos desistiram no decorrer do curso. “Ela começou a me afogar, me dar caldos. O que ela fez com Rodrigo ela fez comigo. Eu disse para ela parar que ela ia me matar. Pedi pelo amor de Deus, me apoiei nela. Aí ela disse que eu estava louco que aluno não podia encostar em oficial”.
Mesmo pedindo para parar, Ledur teria continuado com sessões de “caldos”, momento que Maurício “apagou” e só recobrou a consciência fora da lagoa. Ele vomitava e ela gritava que ele teria que voltar. “Eu apaguei novamente e só voltei quando estava numa ambulância. Nisso escutei um sargento falando para outro que não sabia porque Ledur fazia isso. Ledur perguntou a eles se estava bem e eles disseram que me levariam para o hospital. Só ouvi ela dizendo: é uma bichinha mesmo, ele não aguenta”.
Maurício diz que não denunciava por medo de acabar em nada, mas que acabou desistindo do sonho de ser bombeiro um mês antes de se formar. “Fui coagido a desistir. Eu fiquei prometido para o campo final. Em março o tenente Teodoro (comandante do pelotão que Maurício fazia parte) me chamou para conversar e falou que era para eu pensar bem. Disse que não poderia intervir no campo final. Se eu continuasse sabia que não ia sair respirando. Aí fiz meu processo de desligamento” Soldado do Corpo de Bombeiros, Thiago Serafim Vieira, que era do mesmo pelotão de Rodrigo, confirmou que Ledur era autoritária e intimidadora.
Conta que presenciou as agressões sofridas por Rodrigo. Lembra que o colega tinha pavor de água e isso ocasionou a perseguição. Mas que o momento crucial foi quando Rodrigo colocou atestado para uma corrida por problema no joelho. “Para Ledur ele estava fugindo, daí começou a perseguição. Ela focou a atenção toda para ele. Na piscina da UFMT já teve caldo no Rodrigo”.
Thiago também pontuou que os alunos eram avisados sobre o sofrimento causado por Ledur durante os treinamentos. “Naquele dia eu percebia que Rodrigo estava para trás pela dificuldade que tinha com água, mas também percebia que o treinamento da Ledur com Rodrigo era diferente. Quando o parceiro de Rodrigo tentava intervir nos afogamentos, Ledur impedia. Escutei o Rodrigo dizendo que desistia e que não queria ser bombeiro em alto e bom som. Eu nunca tinha visto ele daquele jeito. Estava afobado, com olhos arregalados, não estava no normal dele”.
Jane Patrício Lima Claro, mãe de Rodrigo Patrício Lima Claro, não conseguiu acompanhar até o final o depoimento do marido, o bombeiro Antônio Claro, ao qual o filho se inspirou para a carreira. Jane precisou ser socorrida após passar mal, revivendo os fatos do dia da morte do filho, que hoje completa 1 ano e 9 meses. Antes, ao ser ouvida em juízo, Jane disse que Rodrigo já relatava o medo da tenente Izadora Ledur, que administrava as aulas. Ela conta que por diversas vezes o filho falava do comportamento da instrutora, tanto que numa ocasião anterior apareceu com uma marca na costela, fruto de uma agressão. No dia 10 de novembro, dia do treinamento na Lagoa Trevisan, onde Rodrigo passou mal, Jane conta que o filho mandou mensagem e disse que estava com muito medo.
“Ela já tinha avisado que ia pegar ele na lagoa porque ele tinha colocado atestado tentando fugir de treinamento. Mesmo sabendo de histórias de cursos anteriores, incentivei meu filho a continuar, jamais sabia que ia acontecer, se soubesse ia tirar meu filho”. Desde 1994 no Corpo de Bombeiros, Antônio Claro diz que nunca tinha visto uma situação de treinamento com agressões. Mas que depois ficou sabendo de muitos episódios. Hoje, a marca em toda a família reflete em Antônio que já não consegue mais vestir o uniforme. “Eu tinha outro filho que também queria ser bombeiro, mas agora eles não gostam nem de me ver fardado. Eu não consigo mais usar a farda”, disse emocionado.
No dia do curso, o pai conta que se despediu do filho normalmente. Por volta das 18h, recebeu uma ligação do soldado perguntando se Rodrigo tinha alergia a algum medicamento. “Disse que não e perguntei o porque. O soldado disse que o Rodrigo estava com uma pequena dor de cabeça. Foi quando fui ao hospital e vi ele em cima de uma maca inconsciente”. Tamanha é a dor, que Antônio revela já ter pensado em se matar. “Já pensei em tirar a própria vida, mas em sonho Rodrigo me disse para não fazer isso”, contou. Ao fim do depoimento o pai disse que faltavam apenas 22 dias para Rodrigo realizar o sonho de ser bombeiro.
Comandante do Corpo de Bombeiros e especialista em técnicas de salvamento aquático, Wilkerson Adriano Cavalcanti confirmou que todo treinamento é feito de forma gradativa. Ponderou que a Lagoa Trevisan, onde o aluno Rodrigo Claro passou mal após treinamento, é de risco calculado quando já em estado avançado do curso. Ao promotor de Justiça Allan Sidney do Ó, Wilckerson que trabalhou com Ledur nos anos de 2013 e 2015, avalia que houve um problema na seleção dos candidatos com relação à “desenvoltura no meio hídrico”. Segundo ele, a instituição incorreu no erro de cobrar travessia num curto tempo de curso. “Não tem como o aluno tornar especialista. Houve problemas na seleção sim. Tem limitação aos candidatos no meio líquido. A seleção foi feita de forma subdimensionada”.
Quanto ao “caldo” sofrido por Rodrigo, conforme denúncia, Willckerson assegura que não deve ser praticado de forma alguma. “O comportamento dito na narrativa não é o adequado. O que existe é o frente a frente e simular situações de agarramento para desvencilhar o que é diferente de agarramento por trás que foge da didática”. Outro método que o comandante confirmou que não é legal em treinamentos é o uso de pé de pato, que a tenente Izadora Ledur usava para bater nos alunos, segundo ele não está em qualquer previsão do curso. “O que acontece é que alunos com maior dificuldade tem que ser monitorados. Mas foge do que preceitua o ensino aprendizagem o instrutor subir em cima do aluno e submergir o aluno, podendo ser considerado abusivo. A instituição prima pela legalidade. Há parâmetros de que forma deve ser o ensino aprendizagem. O que é respeitoso e legal é o que disseminado na instituição”, explica
Ledur é acusada do crime de tortura que resultou na morte do aluno do Corpo de Bombeiros Rodrigo Patrício Lima Claro,que morreu no dia 15 de dezembro de 2016, após ficar 5 dias internado. Ele passou mal durante o treinamento que a tenente Ledur era a instrutora. Chegou a pedir para parar, mas não pode. Mesmo passando mal, foi mandado embora para a unidade do Corpo de Bombeiros sozinho. Ao ser levado à Policlínica, começou a ter convulsões, foi operado, levado para a UTI, mas não resistiu.