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Cerca de 10 pessoas sofrem torturas todos dos dias em Mato Grosso

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Dez pessoas sofrem algum tipo de tortura todos os dias em Mato Grosso. A estimativa é do Movimento Nacional de Direitos Humanos e os números são extraoficiais, já que os que chegam ao conhecimento da Polícia e da Justiça são poucos. Muitos deles tendo como torturadores policiais. Na Corregedoria da Polícia Judiciária Civil, 6 inquéritos foram abertos este ano para investigar a prática do crime por policiais. O envolvimento de policiais militares é um pouco menor. Este ano, 3 inquéritos foram abertos pela Corregedoria em casos de lesão corporal ou homicídios com indícios de tortura. Em 6 anos, a corporação acumula 15 casos.

Para a representante do Movimento Nacional de Direitos Humanos no Estado, Darlete Soares, o baixo número de denúncias é reflexo das próprias sequelas do crime. Após serem torturadas, seja física ou psicologicamente, as vítimas e familiares preferem ficar no anonimato por medo. Esse sentimento aumenta quando os torturadores são da Polícia.

Ela relata vários casos que acompanhou e que nunca chegaram ao conhecimento da Justiça. Em um deles, um adolescente de 14 anos morreu após sofrer agressões físicas e tortura psicológica de um grupo de policiais. "Ele teve infecção generalizada, ficou hospitalizado por vários dias e não resistiu. Quando ele estava no hospital, os policiais foram lá e falaram para ele não revelar o que tinha ocorrido".

Segundo Darlete, a família optou pelo silêncio, temendo represálias. "Eu disse para eles registrarem um boletim de ocorrência, fazerem a denúncia. Mas eles ficaram com medo, como acontece na maioria dos casos".

Algumas denúncias chegam até as delegacias de Polícia. Como ocorreu recentemente, quando familiares registraram um boletim de ocorrência após presenciarem cenas de tortura na casa de um homem que sofre de esquizofrenia na região da Morada do Ouro.

Eles foram até o local após ouvirem gritos da vítima e avistaram alguns policiais militares saindo da casa. Os sinais de espancamento ficaram visíveis nos cortes nas costas, lesões na cabeça e corpo. Ele teve inclusive as unhas dos pés soltas durante a "sessão de tortura".

Há casos em que os autores do crime não são da Polícia. Um dos exemplos ocorre no tráfico de drogas, quando traficantes usam da tortura para receber dos usuários, fazendo até a família dos mesmos como vítimas. "Se não conseguem com o usuário eles mandam alguém na casa para fazer a tortura psicológica na família. Assim eles fazem até conseguirem receber".

Darlete ressalta que, quando sofrem tortura psicológica, as pessoas não têm conhecimento de que são vítimas de um crime, que tem severas e pesadas punições. A pena pode chegar a 16 anos, quando resulta na morte da vítima, acrescida de até 1 sexto quando o crime é praticado por agentes públicos e contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 anos.

Causas – Para Darlete, a própria formação dos policiais contribui para a prática de torturas na atividade. Ela argumenta que muitos casos, já de conhecimento público, retratam a utilização de tortura contra os alunos.

Foi o que ocorreu no 4º Curso de Tripulante Operacional Multi-Missão (TOM-M), em abril do ano passado, que terminou com a morte do soldado alagoano Abinoão Soares de Oliveira, 34. Vinte e nove policiais militares foram denunciados pelo Ministério Público por prática de tortura contra os 19 alunos da turma.

O ouvidor de Polícia Teobaldo Witter também explica que a prática do crime é reflexo da forte pressão que os policiais trabalham. "A sociedade exige da Polícia respostas rápidas e, nesta ânsia de dar estas respostas, muitas vezes os policiais acabam castigando os suspeitos para tentar obter confissões".

Witter defende que a Polícia precisa avançar em tecnologias e novas técnicas de prisão para desvendar os crimes e não usar de tortura física e psicológica para conseguir confissões. "A Polícia existe para defender os direitos humanos, não podemos mais admitir que a tortura seja praticada na atividade".

Históricos – O posicionamento das entidades é contestado pelas instituições. O corregedor interino da Polícia Militar, coronel Jorge Catarino de Moraes Ribeiro, destacou que, durante o período no qual os novos policiais passam na academia, eles aprendem técnicas policiais necessárias para o desempenho da atividade, e são informados sobre o que "é certo e errado". "Se eles cometem o crime não é por falta de conhecimento de técnicas e nem da lei, praticam por que querem".

Segundo Catarino, todas as denúncias que chegam à corporação são investigadas e, se confirmado o crime, os acusados são punidos. Além de responderem na Justiça, eles enfrentam procedimentos administrativos que resultam em demissão. Em 6 anos, 10 processos foram abertos e 4 resultaram no desligamento definitivo dos policiais. Outros estão em andamento.

A delegada Ana Paula Crema, corregedora substituta da Polícia Civil, também defende que não é a formação policial que fomenta a prática do crime, mas que trata-se de outros fatores relacionados ao emocional ou à índole pessoal do agente. Segundo ela, todos os casos denunciados são preliminarmente investigados e, se comprovados indícios de que o crime ocorreu, é aberto o inquérito. Após a conclusão, o caso passa ao Judiciário e o acusado também pode ser demitido do cargo policial.

Comitê – Uma das metas do Fórum Estadual de Direitos Humanos para coibir a prática de torturas é a criação do Comitê de Combate à Tortura e criação de um disk denúncia. Darlete acredita que, com a garantia do anonimato, as vítimas ou testemunhas vão comunicar os crimes e logo a impunidade será menor.

Ela lembra que na época do SOS Tortura, desativado em 2003, mais de mil casos foram investigados em Mato Grosso. "Isso só foi possível com o disk denúncia. As pessoas ligavam e os casos eram investigados. Muitos foram elucidados. É o que esperamos disponibilizando um telefone para denúncias novamente".

Hoje, as denúncias podem ser feitas por vários canais, um deles é a Ouvidoria da Polícia. O ouvidor Teobaldo Witter detalhou que os crimes são denunciados via telefone, e-mail ou até pessoalmente.

Todos são informados à Corregedoria das Polícias Civil e Militar, que abrem os processos investigatórios. "Nós acompanhamos a investigação e exigimos que os prazos para conclusão sejam cumpridos e os casos não fiquem nas gavetas".

Definição – De acordo com a Lei, o crime de tortura é tipificado como "constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; provocar ação ou omissão de natureza criminosa; em razão de discriminação racial ou religiosa. Ou submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo".

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