As seis unidades do Conselho Tutelar em Cuiabá realizaram mais de 400 atendimentos relacionados a casos de abandono de incapaz e negligência só no primeiro semestre deste ano. Desses atendimentos, nem todos se transformam em registros policiais. Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) mostram que nos dez primeiros meses de 2014 foram registradas 240 ocorrências desse tipo, número 15% maior ao mesmo período do ano passado.
O vício em drogas é apontado como uma das principais causas que levam mães e pais a abandonarem seus filhos. Porém, outros fatores, como a desestrutura familiar e a imaturidade, no caso dos pais mais jovens, também contribuem com a negligência de menores.
Conforme artigo 133 do Código Penal “abandonar pessoa que está sob cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono” é crime com detenção de seis meses a três anos de reclusão. A penalidade sobe para cinco anos se o abandono resultar em lesão corporal grave e para 12 anos se a vítima morrer.
Titular da Delegacia Especializada nos Direitos da Criança e Adolescente (Deddica) de Cuiabá, Eduardo Botelho afirma que a incidência desse tipo de caso é alta em famílias desestruturadas e de baixa renda. A separação dos pais também é apontada como fator relevante para a ocorrência de abandono de crianças, assim como o consumo de drogas. “Acontece muito de mães e pais que deixam os filhos em casa para sair à noite, ir às festas e até casos de mulheres envolvidas com prostituição e vício em drogas. Recentemente, atendemos duas crianças que eram deixadas sozinhas em casa, enquanto a mãe saía para se prostituir”.
No caso citado pelo delegado, as crianças tinham dois e quatro anos e foram resgatadas por policiais em um barraco de madeira, enquanto dormiam sozinhas, trancadas pelo lado de fora. A mãe foi presa logo depois, enquanto se prostituía em uma das ruas de um bairro próximo.
O coordenador geral dos Conselhos Tutelares de Cuiabá, Nelson de Faria concorda que a maioria dos 400 atendimentos realizados no primeiro semestre do ano foram com famílias da periferia da cidade. Segundo ele, além do abandono, os conselheiros encontram também crianças vítimas de maus-tratos. De janeiro a junho foram 477 atendimentos envolvendo agressões físicas e psicológicas contra menores. “Nos casos de abandono, as crianças são deixadas pelos próprios pais, que justificam que os menores, por estarem em casa, estão seguros ou que vizinhos ficam de olho. Já nos atendimentos de maus-tratos, os agressores, geralmente, são os companheiros de mães e pais separados”.
Para o promotor de Justiça da 14ª Promotoria da Infância e Juventude de Mato Grosso, José Antônio Borges Pereira, mais do que qualquer outra razão, o vício em drogas ainda é o maior de todos os motivos que faz com que pais e mães coloquem a vida de seus filhos em risco. Ele acrescenta que nesses casos a perda do poder familiar é a melhor alternativa para a qualidade de vida dos menores. “A criança tem que ter mãe e pai desde que nasce. Deixar um menor sozinho é mais do que abandono, é maus-tratos também. Não se pode esperar que os pais criem maturidade ou larguem o vício em drogas para que cuidem de seus filhos. Se isso não acontece desde o início, é preciso optar pela perda do poder familiar”.