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A retomada do imóvel pelo legítimo proprietário nos casos de falsidade documental (venda non domino)

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Informe publicitário (foto: assessoria)

A venda a non domino é o termo utilizado para se referir à alienação efetuada por aquele que não é proprietário da coisa (seja móvel ou imóvel).

Como isso acontece?

Geralmente através de falsificação dos documentos públicos, tais como Procurações e Escrituras Públicas de Compra e Venda, com o objetivo exclusivo de lesar o verdadeiro proprietário do imóvel rural e adonar-se de forma ilícita do bem.

Em muitos casos, infelizmente, há a participação de cartórios que são coniventes com as fraudes perpetradas e auxiliam os estelionatários na concretização das falsidades e transferências dos imóveis (na sua grande maioria rurais).

Atento a este cenário (cada vez mais frequente, principalmente no Estado de Mato Grosso) e em respeito à segurança jurídica, o Poder Judiciário sedimentou entendimento de que a venda feita sem consentimento de vontade do proprietário (venda non domino) é absolutamente nula e não gera qualquer efeito no mundo jurídico, não se operando a boa-fé e muito menos o instituto da usucapião, sendo a retomada do imóvel rural um direito do seu legítimo dono.

Neste sentido, passo a explicar:

De proemio, é importante ressaltar que a venda non domino não está sujeito a prescrição ou decadência. A normativa de regência veda expressamente a venda realizada por quem não é dono, conforme dispõe o art. 1.268, do Código Civil, acarretando, inclusive, em nulidade do negócio jurídico, ipsis litteris:

“Art. 1.268. Feita por quem não seja proprietário, a tradição não aliena a propriedade, exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono.

(…)

§ 2º Não transfere a propriedade a tradição, quando tiver por título um negócio jurídico nulo”.

Exatamente por ser nula na sua plenitude (venda non domino) e também por força do art. 169, do Código Civil, tem-se que esses negócios jurídicos não se convalescem com o decurso do tempo, tampouco são suscetíveis de confirmação, in verbis:

“Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”.

É pacífica a jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça em relação à imprescritibilidade de ato jurídico nulo, senão vejamos:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73) – AÇÃO DECLARATÓRIA C/C PEDIDO CONDENATÓRIO – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DO REQUERIDO. 1. Admissível o agravo, apesar de não infirmar a totalidade da decisão agravada, pois a jurisprudência do STJ é assente no sentido de que a impugnação de capítulos autônomos da decisão recorrida apenas induz à preclusão das matérias não impugnadas. 2. A subsistência de fundamento inatacado, apto a manter a conclusão do aresto impugnado e a apresentação de razões dissociadas desse fundamento, impõem o reconhecimento da incidência das Súmulas 283 e 284 do STF, por analogia. Precedentes. 3. Os negócios jurídicos inexistentes e os absolutamente nulos não produzem efeitos jurídicos, não são suscetíveis de confirmação, tampouco não convalescem com o decurso do tempo, de modo que a nulidade pode ser declarada a qualquer tempo, não

se sujeitando a prazos prescricionais ou decadenciais. Precedentes. Incidência da Súmula 83/STJ. 4. Agravo regimental desprovido”. (AgRg no AREsp 489.474/MA, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 08/05/2018, DJe 17/05/2018)

Assim, se os negócios jurídicos (denominados de atos jurídicos pelo CC/16) revestidos de nulidade não se convalidam pelo transcurso do tempo, não podem ser atingidos pela prescrição, ou seja, pode o real proprietário provocar o Poder Judiciário para retomar seu imóvel.

Além disso, a condição da boa-fé, a posse justa e a exceção de usucapião, também não se operam.

Em razão da nulidade absoluta que recai sobre a venda non domino (a título de exemplo, por meio de falsificação de documentos – como Procuração, Escritura Pública e dentre outros), afigura-se correto aduzir que referida transação torna injusta a posse do adquirente, mesmo sendo terceiro, afigurando-se irrelevante a boa-fé, abrindo-se a possibilidade para que ela retorne ao real proprietário.

O tema é dominante na jurisprudência pátria, sendo pacífico e reiterado o entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça de que a venda a non domino não produz efeitos, sendo irrelevante a condição de terceiro já que inexiste a boa-fé do adquirente. Eis o entendimento consubstanciado no julgado que ora transcrevo:

“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. VENDA A NON DOMINO. BOA-FÉ DE TERCEIRO. IRRELEVÂNCIA. MANUTENÇÃO DO NEGÓCIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 568 DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. É firme a orientação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, na venda a non domino, é irrelevante a boa-fé do adquirente, pois a propriedade transferida por quem não é dono não produz nenhum efeito. Precedentes. 3. Na hipótese, os magistrados da instância ordinária decidiram em perfeita consonância com a jurisprudência desta Corte, circunstância que atrai a incidência da Súmula nº 568/STJ. 4. Agravo interno não provido.” (AgInt no REsp 1785665/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/08/2019, DJe 14/08/2019)

Neste viés, importa destacar que o posicionamento recente adotado pelo e. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso é no mesmo sentido, ou seja, reconhece que a venda de imóvel a non domino não permite ao adquirente (mesmo sendo terceiro) o direito de pleitear pela propriedade. Veja-se:

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REIVINDICATÓRIA – EXCESSÃO DE USUCAPIÃO ARGUIDA EM CONTESTAÇÃO – PRAZO INSUFICIENTE – EXCESSÃO JULGADA IMPROCEDENTE – REQUISITOS PARA PROVIMENTO DA AÇÃO REIVINDICATÓRIA COMPROVADOS – PROVA DO DOMÍNIO DA COISA – PERFEITA IDENTIFICAÇÃO – INDIVIDUALIZAÇÃO – POSSE INJUSTA RECONHECIDA PELA VENDA A “NON DOMINO” – ATO INEFICAZ PERANTE O LEGÍTIMO PROPRIETÁRIO – SENTENÇA REFORMADA -RECURSO PROVIDO. Inexistindo nos autos elementos que comprovem que aquele que pretende usucapir o imóvel reside no imóvel ou realizou obras ou serviços de caráter produtivo afasta-se a regra do parágrafo único do art. 1.238, que reduz o prazo do usucapião para 10 (dez) anos. Não havendo nos autos elementos que comprovem a posse do imóvel por aquele que pretende usucapir o imóvel pelo prazo de 15 (quinze) anos, não há como reconhecer a exceção de usucapião. Deve ser provida a Ação Reivindicatória quando devidamente provados os requisitos específicos. A posse injusta na Ação Reivindicatória tem sentido mais amplo, diz respeito a toda posse que se oponha ao do titular do domínio, sem a sua concordância ou autorização. A venda de imóvel a non domino não dá ao adquirente direito de pleitear propriedade, ainda que diante de boa-fé; essa comercialização realizada por quem não é titular do domínio é ineficaz perante o verdadeiro proprietário.” (TJMT, N.U 0014732-17.2011.8.11.0002, SEBASTIÃO BARBOSA FARIAS, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 20/02/2018, Publicado no DJE 23/02/2018).

Tal entendimento dá-se em razão da nulidade absoluta que macula o negócio jurídico, eis que, em verdade, ele é inexiste (pela ausência de manifestação do real proprietário) e, por conseguinte, contamina toda a cadeia dominial.

Em suma, a venda realizada por quem não é proprietário da coisa e sem a autorização do verdadeiro dono obsta a transferência da propriedade, eis que o negócio jurídico é absolutamente nulo, afigurando-se irrelevante a existência de eventuais terceiros.

Ademais, a Lei n.º 6.075/73, conhecida como de Registros Públicos, preceitua que as nulidades do registro, uma vez provadas, tornam-no inválido. Posto isto, em observância ao disposto em Lei, denota-se que a cadeia dominial contaminada e perpetuada no imóvel resulta na invalidade dos respectivos registros e na declaração de nulidade.

Em razão da ausência de boa-fé neste tipo de negocio jurídico, não se opera a posse justa e nem o prazo prescricional de usucapião, nulidade que atinge diretamente o terceiro adquirente. N’outras palavras: o adquirente de imóvel a non domino pode ficar 20 (vinte) anos sobre a propriedade, mas mesmo assim terá que devolvê-la ao seu legítimo dono.

É por isso que os adquirentes de terras em todo o Brasil devem se valer de todos os expedientes fornecidos para apurar pormenorizadamente a legitimidade documental da compra e venda (como, por exemplo, checar se todos os documentos são verdadeiros, conferir assinaturas e dentre outras providências), agindo como se espera do comportamento do homem médio.

Ressalto, por fim, que é assegurado ao adquirente o direito de regresso por eventuais prejuízos suportados, para tanto, a parte interessada deve valer-se da medida judicial adequada.

De todo exposto, a venda non domino é absolutamente nula, imprescritível com ausência explícita de boa-fé e não se opera a exceção de usucapião, existindo, com isso, a possibilidade real de retomada do imóvel rural daqueles que praticaram fraudes para a transferência da propriedade.

Concluo este artigo afirmando: nestes casos, é direito do legítimo proprietário exigir o imóvel independentemente do tempo, considerando a ineficácia do negócio jurídico, inclusive perante terceiros.

Jiancarlo Leobet, advogado e pós graduado em Direito Ambiental pela Universidade Federal do Paraná e co-fundador da LEOBET E CESA – Sociedade de Advogados.

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