O mundo do futebol assistiu neste domingo à consumação de uma marca histórica na vida de um dos maiores jogadores de todos os tempos. Ao balançar as redes do Sport, a um minuto do segundo tempo em jogo válido pela segunda rodada do Campeonato Brasileiro, Romário comemorou um gol pela milésima vez na carreira. Era o que faltava para o Baixinho coroar a trajetória de sucesso do carioca de 41 anos, considerado o principal responsável pelo título mundial da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1994.
Mas o feito acabou vindo depois do esperado, transformando o “milésimo” em uma longa agonia. Depois de um excelente início de temporada, quando balançou as redes 12 vezes em 11 jogos, o Baixinho esperava chegar à marca de mil gols antes do início do Brasileirão. Confiante, chegou a “escolher” o adversário (Flamengo ou Botafogo) e o local (Maracanã), abrindo mão de enfrentar o Americano em São Januário.
Romário, no entanto, passou em branco, viu o Vasco ser eliminado do Estadual do Rio (em um jogo de oito gols, nenhum marcado por ele) e da Copa do Brasil e passou dois meses apenas treinando à espera do grande momento. Uma inegável sensação de anticlímax que fez o jogador, inclusive, aceitar jogar em São Januário neste domingo e satsifazer a vontade do presidente Eurico Miranda.
A diretoria nunca escondeu que a maior ambição da temporada é o projeto ‘mil gols’. Tanto que após críticas veladas de Renato Gaúcho, que insinuou ser prejudicial ao time a constante vigilância em cima do Baixinho, resolveu demiti-lo. Para seu lugar, trouxe Celso Roth, gaúcho que estava desempregado e mostrou ser benevolente com os privilégios ao camisa 11.
Independente da festa – e da estátua em bronze que será inaugurada para o atacante, em junho – a quantidade de gols listada pelo próprio atacante é contestável. Na verdade, Romário tem 902 gols como profissional. No entanto, o Baixinho leva em conta também os 77 gols que marcou quando atuava nas categorias de base do Olaria e do Vasco, além de outros 21 em eventos festivos, como despedidas de atletas e amistosos entre combinados (seleção carioca, seleção das Américas, seleção de masters etc.).
Mesmo os 77 gols como amador geram desconfiança, uma vez que o Vasco não conseguiu provar seis deles marcados na época de infantil por meio de súmulas, jornais da época ou outro documento oficial. Inicialmente, a lista feita por Romário continha ainda alguns gols a mais marcados pelo PSV Eindhoven e pelo Barcelona, que posteriormente foram retirados da relação.
Nesta mesma primeira lista, porém, o atleta também não contabilizara outros seis gols marcados nas categorias de base do Vasco porque o clube não tinha os registros dos jogos e outros dois anotados em um jogo festivo em que o atacante defendeu o América-RJ contra uma seleção do Rio de Janeiro. Esses gols acabaram sendo “descobertos” pela imprensa e ignorados pelo atleta..
Refeitos os números, Romário e Vasco chegaram aos atuais 1.000 gols (levando em conta os seis não comprovados pelo clube). Está contabilizado também o gol marcado contra o Figueirense, na vitória do Vasco por 2 a 1 pelo Campeonato Brasileiro de 2005, em jogo que, posteriormente, foi anulado devido ao envolvimento do árbitro Edílson Pereira de Carvalho no escândalo de manipulação de resultados.
De qualquer forma, tanto os 1.000 gols quanto os 902 tentos oficiais colocam Romário em segundo lugar na lista dos maiores artilheiros da história do futebol mundial. À sua frente está apenas Pelé, que contabiliza 1.291, sendo 1.091 oficiais. O terceiro colocado é o argentino Alfredo Di Stefano, astro do Real Madrid nos anos 1950, que balançou as redes dos adversários 893 vezes.
O feito do Baixinho é notável, mas chegou a ser mais contestada quando o Vasco decidiu ajudar o atacante a atingir a marca histórica agendando amistosos contra equipes semi-profissionais do Rio e um time angolano em 2006. Nestes jogos, Romário fez nove gols: um contra o Duque de Caxias, dois contra o Rio Branco, três contra o Valle Rio, um contra o Sagrada Esperança (Angola) e dois contra o Angra dos Reis.
Outros 70 tentos foram marcados em amistosos contra adversários inexpressivos, casos, por exemplo, de Itapetinga-BA, Trem-AP, Caratinga-MG, Geldrop (Holanda) e Gua Na (China). Mas, nesse quesito, Pelé não fica atrás. Apesar de não contabilizar gols como amador, o Rei balançou as redes defendendo a seleção das Forças Armadas, o Sindicato dos Atletas de São Paulo, a seleção do Sudeste, entre outros. Entre suas vítimas, estão equipes como Lavras-MG, Abidjan (Costa do Marfim) e Caroline Hill (de Hong Kong). Ao todo, Pelé fez 84 gols em amistosos contra equipes deste nível.
“Pelé já marcou sobre time do Exército e valeu. Bateu pênalti de terno e gravata quando Wembley foi demolido e valeu. Por que eu não posso contar os meus gols contra times de segunda e terceira divisão?”, questionou Romário, à época dos amistosos arranjados pelo Vasco para aproximá-lo do milésimo gol.
O primeiro jogo da lista de Romário foi quando ele tinha 13 anos, contra o América, pelo Campeonato Carioca Infantil de 1979. O Baixinho atuava pelo Olaria e marcou três vezes na vitória por 5 a 3. Depois, fez mais cinco jogos e quatro gols pelo time da Rua Bariri antes de se transferir para São Januário.
No Vasco, fez outros oito gols como infantil, 36 como juvenil e 15 como júnior. A estréia pela equipe profissional ocorreu no dia 6 de fevereiro de 1985, quando tinha 19 anos. No entanto, o Baixinho viu o Vasco não sair do empate sem gols contra o Coritiba e só foi comemorar seus primeiros gols 11 jogos depois, no dia 18 de agosto de 1985, quando fez dois na goleada por 6 a 0 em amistoso diante do então time amador do Nova Venécia-ES.
Pela seleção brasileira, Romário deixou sua marca logo no segundo jogo com a camisa amarela: anotou um na vitória por 3 a 2 sobre a Finlândia, em amistoso disputado em 28 de maio de 1987. No ano seguinte, o Baixinho embarcou para a Holanda, onde se tornou ídolo com a camisa do PSV Eindhoven. Ficou até 1993 e foi mostrar seu faro de gol no Barcelona, também deixando seu nome entre os maiores da história do clube.
O auge da carreira foi em 1994, quando comandou a seleção brasileira na conquista do tetracampeonato mundial. Foram cinco gols na Copa do Mundo (dois deles que garantiram a classificação nas quartas-de-final e na semifinal), além de um na disputa de pênaltis contra a Itália na decisão – a propósito, Romário não inclui em sua lista os gols marcados em disputas de pênaltis.
No ano seguinte, o atacante voltou ao futebol brasileiro como principal reforço do Flamengo, que comemorava o seu centenário. Apesar do fiasco flamenguista no ano comemorativo, cansou de fazer gols com a camisa rubro-negra e retornou outras duas vezes à Gávea após passagens curtas pelo Valencia, da Espanha.
A primeira volta ao Vasco aconteceu em 1999 e durou até 2002, quando se transferiu para o Fluminense. No ano seguinte, foi se aventurar no Al-Saad, do Catar, clube pelo qual disputou três jogos e não marcou nenhum gol. Depois, defendeu o Fluminense novamente até 2004 e acertou um novo retorno ao Vasco.
A busca declarada pelo milésimo gol começou no início de 2006, quando o Vasco conseguiu os tais amistosos para contribuir com o Baixinho, e deu um novo impulso à carreira do veterano artilheiro. À época, o jogador afirmou que ia se aposentar quando ele quisesse, e não quando os críticos achavam que já era a hora. Cogitou até computar os gols que marcou na passagem pela seleção brasileira de futebol de areia, mas preferiu abandonar esta tentativa.
Após disputar o Campeonato Carioca, o atacante acertou com o Miami FC para tentar aumentar a lista de gols no fraco futebol norte-americano. A esta altura, sua conta era de 964 tentos. Nos Estados Unidos, balançou as redes 22 vezes em cinco meses pelo time da segunda divisão e, na seqüência, foi desbravar o incipiente Campeonato Australiano.
Defendendo o Adelaide United, entrou em campo quatro vezes e anotou apenas um gol. Na seqüência, chegou a assinar com o Tupi, mas foi proibido pela CBF, já que a inscrição não foi feita em um período legal.
Veio, então, o convite do Vasco. Afinal, o presidente Eurico Miranda nunca escondeu o desejo de que Romário fizesse o gol número 1.000 vestindo o manto cruzmaltino. E o feito acabou vindo após apenas 12 jogos neste ano, quando o Baixinho marcou 13 vezes (dez pelo Campeonato Carioca, dois pela Copa do Brasil e um pelo Campeonato Brasileiro).