Não existe gosto mais amargo no futebol do que carregar uma seqüência de derrotas em decisões. Por isso, a final da Copa do Brasil entre Flamengo e Vasco, nesta quarta-feira, no Maracanã, terá um tempero diferente: quem ganhar, coloca fim à sina de vice e terá argumentos suficientes para gozar os torcedores adversários até que o troco seja dado. Para completar, o título garante a volta à Libertadores, competição já vencida pelas duas equipes.
Com a vitória por 2 a 0 no primeiro jogo, os rubro-negros estão próximos de vencer a quinta final consecutiva contra os rivais cruzmaltinos. As últimas quatro decisões entre as equipes, em 1999, 2000, 2001 e 2004, definiram o título carioca a favor dos flamenguistas, o que deixa os vascaínos com o adversário entalado na garganta mesmo com a conquista do Estadual em 2003 em final contra o Fluminense.
Se por um lado as decisões diante do Vasco têm garantido boas lembranças, o time da Gávea tenta acabar com a “maldição do vice” na Copa do Brasil. Campeão em 1990, os rubro-negros chegaram mais três vezes ao jogo final da competição, mas em todas tiveram de deixar o campo logo após o apito final para não verem a festa adversária. As derrotas para Grêmio (1997) e Cruzeiro (2003) foram duras de engolir, mas a mais traumática sem dúvida foi a mais recente, em 2004, quando o Santo André surpreendeu em pleno Maracanã e tirou da Gávea um título que parecia certo.
O zagueiro Rodrigo Arroz, prata-da-casa flamenguista de apenas 22 anos, tem frescos na memória os dois tabus e não esconde que a situação apimenta o clima para o clássico. “Estava no Maracanã na final contra o Vasco de 2001 e na decisão contra o Santo André. Vibrei muito com o gol do Petkovic no Carioca, mas senti uma emoção inversa ao ver 80 mil pessoas totalmente decepcionados com o vice da Copa do Brasil. Quando entrar no Maracanã lotado, dessa vez comigo lá dentro, a emoção será grande e lembrarei dos tempos de torcedor”, prevê.
O técnico Renato Gaúcho, por sua vez, diz que o retrospecto não entra em campo. Porém, se mudar de idéia, ele pode utilizar a favor de seu time o bom retrospecto vascaíno contra o Flamengo desde que assumiu o cargo. Antes da derrota da última quarta-feira, foram três vitórias cruzmaltinas. “Qualquer treinador gostaria de ter esse retrospecto contra o Flamengo, mas não posso me iludir achando que isso vai representar algum tipo de vantagem. Quem vive de história é museu. Cada jogo é um jogo”, resume.
A máxima de Renato também vale para a decisão da Copa do Brasil. No primeiro jogo, o Vasco travou na retranca flamenguista e ofereceu pouco perigo ao gol de Diego. Para completar, viu o rival partir para o ataque na segunda etapa e abrir dois gols de vantagem, complicando o sonho do título inédito da competição. O meia Ramón, no entanto, confia na mística da camisa cruzmaltina. “O jogo não acabou. O sonho está vivo e ainda acredito no título. Não é à toa que o Vasco é o time da virada”, afirma.
Diante do desempenho abaixo das expectativas, o técnico mudou o planejamento e colocou o time titular para enfrentar o Atlético-PR no Campeonato Brasileiro e readquirir confiança para o jogo mais importante do ano. A opção surtiu o efeito desejado e o Vasco chegará embalado para a decisão. “Chegar com uma vitória é muito importante para a auto-estima, porque anima os jogadores. Tivemos um, dois dias de muita tristeza, era preciso levantar o ânimo”, afirmou o atacante Edílson, um dos únicos a quebrar a lei do silêncio decretada após a derrota no primeiro jogo.
Se por um lado a vitória em cima do Furacão serviu para devolver o ânimo os vascaínos, a ineficiência do ataque colocou mais dúvidas na cabeça de Renato Gaúcho. O treinador testou Valdir Papel no setor, mas o atacante teve um desempenho pífio e aumentou as chances de Valdiram ser mantido como titular. O treinador, no entanto, cogita até a entrada de Ernane como companheiro de Edílson. Outra novidade será a volta do volante Ygor, livre de suspensão.
No Flamengo, o técnico Ney Franco a princípio só anunciaria o time nos vestiários. Porém, na véspera da decisão ele disse deve repetir o esquema 3-6-1, eleito pelos próprio rubro-negros como ponto de desequilíbrio no primeiro jogo. Assim, o suspenso Ronaldo Angelim dará lugar a outro zagueiro: Rodrigo Arroz. No ataque, Luizão mais uma vez começará isolado, mas durente o jogo pode ganhar a companhia de Obina, Peralta ou Ramirez.
Apesar de optar pela escalação de um time teoricamente defensivo, Ney exige que o time não abdique do ataque. “Temos de saber administrar a vantagem. Não podemos entrar apenas para nos defender. Temos de agredir porque a cada gol marcado por nós, mais dificuldades eles terão de virar o confronto. O 3-6-1 congestiona o meio-de-campo, mas nos permite sair com velocidade pelas laterais” , pondera.
A vantagem de dois gols de diferença, inclusive, é ignorada por todo o elenco flamenguista. Para o meia Renato, a receita para o título passa pela dedicação rubro-negra e o respeito ao adversário. “Precisaremos de muito suor para manter a vantagem e sermos campeões. Não podemos entrar no clima da torcida e achar que o título está garantido com a vitória do primeiro jogo”, avisa.
A concentração no Vasco é tanta que o Flamengo se refugiou na cidade de Itu e os principais jogadores, até mesmo o técnico, sequer viajaram para Recife, onde o clube enfrentou o Santa Cruz pelo Campeonato Brasileiro. Por pura superstição, dois treinos secretos foram agendados para que a programação realizada no primeiro jogo fosse repetida à risca. Até uma visita à Paróquia de São Judas Tadeu, padroeiro rubro-negro, foi feita. Vale tudo para o Flamengo conquistar um título nacional após a Copa dos Campeões, que já nem existe mais, em 2001.