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Córregos viram depósito de lixo em Mato Grosso

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Ao apertar a descarga do banheiro a costureira Neuza Alves Ciqueira, 55, assim como cerca de 391 mil moradores da Capital lançam o esgoto doméstico nos córregos. O problema é causado pela ausência de rede de esgoto e tratamento adequado em 71% da cidade, que necessita de ações urgentes do poder municipal para colocar em prática o saneamento básico. Entre os cuiabanos o mau cheiro e a paisagem ofuscada pelo lixo depositado irregularmente nos cursos d”água e terrenos baldios é motivo de muitas reclamações.

Quando está mais quente, Neuza sente mais forte o odor do córrego do Barbado, localizado em frente à casa dela. O lançamento irregular de esgoto no curso, que antes era de água, é testemunhado pela costureira desde 1978, data que passou a morar na avenida Tancredo Neves. Como uma das fundadoras do bairro, acha que o esgoto sai da região do Pedregal. Depois ao ser indagada para onde vai o resíduo da casa dela e dos vizinhos, conclui que todo dejeto segue para a rede pluvial, que está ligada ao Barbado e segue o percurso até o rio Cuiabá. “É um absurdo, porque essa água depois vem para a gente tomar”.

A ligação do encanamento das casas do bairro Barbado à rede pluvial na década de 80 foi realizada com o asfaltamento e proporcionou a extinção do banheiro improvisado no fundo do terreno de Neuza. Ao longo do tempo a construção melhorou a estética na calçada das casas, mas transferiu o problema para o outro lado da rua. Um curso de líquido escuro, sujo e mal cheiroso se tornou o córrego do Barbado e do Gambá. O fim do percurso no rio Cuiabá é o início de uma série de problemas sociais e de saúde. Marco Antônio Frutuoso da Silva, 7, contraiu hepatite A depois de tomar banho no Gambá no bairro São Matheus este ano.

Os primeiros sintomas da doença foi acompanhada com rapidez pela família, que evitou o agravamento. O lixo produzido na casa é colocado nos dias de coleta, aos sábados, terças e quintas-feiras, asseguram os familiares. Mas nem todos depositam os casos em local apropriado à espera do caminhão.
Como a reportagem flagrou, um morador sai de casa caminhando com um saco de lixo e o deposita na margem do córrego. Em outro ponto, no Brejinho, uma menina no retorno da aula, joga um livro no Barbado.

Avó de Marco, Ana Neves da Silva, 72, lembra da mãe lavando roupa no rio Cuiabá, que também era utilizado para beber. Quando era criança a aposentada convivia com o córrego do Barbado limpo na frente de casa. As enchentes já ocorriam na época como hoje com as chuvas fortes, no entanto, eram menos poluídas.

Desafios – Sofá, animal morto e sacolas de resíduo doméstico são materiais que compõe o curso de esgoto que tem concentração alta de coliformes, bactérias que causam graves doenças gastrointestinais. Estima-se que a cada R$ 1 real investido em saneamento básico R$ 4 reais sejam economizados com serviços de saúde curativos.

A presença de coliformes termotolerantes, ou mais conhecido como “fecais”, indica a concentração de fezes no córrego ou rio. Isso acontece porque os coliformes são originados do intestino de animais como o ser humano. O limite tolerável é da presença de 1 mil coliformes por 100 mililitros de água, conforme a resolução no 357 de 2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), mas há pontos em que as amostras apontam 60 vezes mais esta concentração. Alta poluição pode ser verificada em pontos do rio Cuiabá e Coxipó no perímetro urbano, que ameaçam diretamente a saúde da população. Além de diminuir a qualidade de vida.

Professor do Departamento de Engenharia Sanitária da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Rubem Mauro explica que a existência dos córregos nesta época de baixo índice pluviométrico comprova a presença do lançamento irregular de esgoto. No passado os córregos secavam nesta época do ano. Por serem intermitentes eles enchiam novamente somente com a abertura do período de chuvas. Hoje, sem chuva os córregos se tornaram cursos perenes de esgoto.

A condução dos dejetos para o rio Cuiabá é uma consequência natural com a ligação clandestina das tubulações domésticas aos córregos. O problema é acentuado pela impermeabilidade do solo em maior parte da área em Cuiabá. Sem poder absorver o líquido que sai do sumidouro das fossas assépticas o esgoto ganha espaço para seguir ao rio.

Problema é acompanhado pelo lançamento de lixo doméstico nas margem dos cursos d”água. A dificuldade em coletar o lixo em certas localidade, devido às condições precárias das ruas, prejudica ainda mais o saneamento.

A implementação da coleta seletiva, que diminuiria em grande escala a quantidade de lixo destinado ao aterro sanitário, é ação emergente no mundo. Rubem diz que esta é uma das ações que devem ser prioridade pelo futuro prefeito de Cuiabá. O projeto antigo de criação de pontos de depósito de materiais recicláveis deve sair no papel acompanhado de divulgação da importância do sistema para a população.

Ações de educação ambiental são essenciais para elevar as notas em saneamento adquiridas pela cidade em pesquisas nacionais. De acordo com o estudo da organização não-governamental Trata Brasil, a Capital mato-grossense é a pior cidade da região Centro-Oeste do país em saneamento básico. Cuiabá ocupa a 84a posição no ranking com nota 3,27, enquanto a escala segue até 10. Santos (SP) lidera a lista com a nota 8,7 e Maringá (PR) segue em 2a posição com nota 8,5.

 

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