Sessenta e quatro anos depois do primeiro confronto, o Chile finalmente venceu a Espanha. Melhor: dando um troco histórico, no mesmo palco (Maracanã) e pelo mesmo placar (2 a 0). Se foi a vítima na Copa do Mundo de 1950, sendo eliminado após perder para os europeus, o time sul-americano nesta quarta-feira foi algoz, mandando os últimos campeões mundiais mais cedo de volta para casa e, de quebra, classificando-se para as oitavas de final com uma rodada de antecedência.
O triunfo com gols de Eduardo Vargas e Charles Aránguiz foi o primeiro do Chile em 11 duelos na história. Antes disso, a Espanha havia vencido oito vezes e empatado outras duas. Esse retrospecto negativo alimentou bastante a rivalidade antes do jogo, já fomentada pela discussão do apelido “La Roja”, originalmente pertencente aos chilenos e, há quatro anos, apropriado pela seleção da Espanha, tradicional e internacionalmente conhecida como “La Fúria”.
Apoiada por uma maioria absoluta de chilenos no Maracanã, a Roja original jogou com autoridade, ainda que desenhada com uma formação teoricamente mais cautelosa, de três zagueiros. O resultado a levou aos mesmos seis pontos da Holanda, com quem disputará a primeira colocação do grupo B na próxima segunda-feira, em São Paulo. No mesmo dia, os últimos campeões mundiais, eliminados de modo precoce, tentarão somar o primeiro ponto diante da também eliminada Austrália, em Curitiba.
Grande parte do mérito desta quarta-feira se deve ao argentino Jorge Sampaoli, argentino que dirige a seleção chilena e que, na véspera, admitiu mudar sua equipe sem que ela perdesse a característica essencial de muita posse de bola. A especulada saída do meia Valdivia para a entrada do zagueiro Francisco Silva se confirmou e, com uma formação bem ensaiada, o treinador obteve sucesso na estratégia logo no primeiro tempo.
Apesar de teoricamente mais defensivo, o Chile soube não chamar a Espanha para o seu campo, adiantando a primeira linha (formada pelos zagueiros Gonzalo Jara, Gary Medel e Francisco Silva) sempre que possível, especialmente quando o goleiro Bravo ganhava tempo nas reposições de bola. Vez ou outra, um dos zagueiros corria de volta para receber o passe perto da área e despachar a bola.
Além de terem seu campo encurtado, os espanhóis sofriam na saída de bola, com o goleiro Casillas e os zagueiros Sergio Ramos e Javi Martínez (escalado pelo técnico Vicente del Bosque no lugar de Piqué). Xavi também iniciou no banco de reservas, dando lugar a Pedro, o que deixou Iniesta isolado no meio-campo, motivo pelo qual ele encontrou muita dificuldade e teve uma tarde ruim, com irreconhecíveis erros de passe e desarmes bobos.
Tudo dava errado para a Espanha, mas talvez porque o Chile também estivesse se entregando mais em campo. Aos sete minutos, depois de cobrança de falta de Xabi Alonso que resultaria em escanteio, Alexis Sánchez se esforçou, controlou a bola na bandeirinha, evitando que ela saísse pela linha de fundo. Em um raro bom ataque espanhol, Diego Costa prendeu demais a bola e chutou torto. Na sequência da jogada, Xabi Alonso acertou a bola em cima de Bravo.
Aos 19 minutos, o time sul-americano abriu o placar. Alexis Sanchez tomou bola à frente do meio-campo, tabelou pela faixa direita do campo e fez ótimo passe para Aránguiz, dentro da área. O volante atrasou rasteiro para a marca do pênalti, onde Vargas driblou Casillas e chutou para a rede. Entrega, velocidade, técnica e efetividade que sintetizaram em um lance a superioridade sobre os últimos campeões mundiais.
A desvantagem, diante da obrigação mínima do empate para evitar a eliminação, ajudou a desestabilizar a equipe de Del Bosque. A torcida brasileira presente no Maracanã também contribuiu, é verdade, perseguindo Diego Costa, que recusou a chance de disputar o Mundial pelo Brasil e se naturalizou espanhol. O atacante foi lembrado com insultos quando errou e também quando os telões reprisaram lance em que ele recebeu do goleiro Bravo uma bolada na cabeça.
Com o passar do tempo, o nervosismo da Espanha foi ficando ainda mais evidente. Um dos principais jogadores do time, ele passou a cometer faltas de ataque para matar a saída de jogo chilena. Aos 39 minutos, Pedro não conseguiu dominar um longo lançamento e chutou a bola com força em uma placa publicitária. Pouco depois, Xabi Alonso deu uma entrada dura na intermediária defensiva e recebeu corretamente o primeiro cartão amarelo de sua equipe na partida.
O que já era difícil ficou ainda mais aos 42 minutos, quando o Chile, senhor do jogo, ampliou a vantagem. Alexis Sánchez bateu falta no canto esquerdo, e Casillas espalmou para frente. A defesa viu Aránguiz ficar com o rebote dentro da área, ajeitar a bola para a perna direita e dar um bico. O goleiro espanhol saltou, mas não alcançou, para festa dos milhares de torcedores presentes no Maracanã.
No intervalo, Del Bosque sacou Xabi Alonso para a entrada de Koke, mas quem passou impressão de que entraria mesmo no jogo foi Iniesta. Logo aos três minutos do segundo tempo, ele fez uma grande jogada ao achar Diego Costa bem posicionado dentro da área. Mas o atacante hispano-brasileiro não aproveitou o passe, chutou travado em cima da defesa. Quatro minutos mais tarde, ele tentou se redimir ao dar uma bicicleta que Busquets, de frente para o gol, concluiu para fora.
Não era a tarde da Espanha, muito menos a de Diego Costa, que, aos 18 minutos, saiu muitíssimo vaiado para dar lugar a Fernando Torres. Sampaoli respondeu e substituiu Aránguiz por Felipe Gutiérrez, para reforçar seu meio-campo e sustentar o resultado. Mas a vontade dos jogadores era tanta que o Chile teve outras chances de marcar, mas não foi preciso balançar a rede novamente para poder festejar o troco histórico antes mesmo do apito final.