Alheias às polêmicas que envolvem o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), as universidades brasileiras estão cada vez mais próximas de cumprir com a meta do Ministério da Educação (MEC) de acabar com os tradicionais vestibulares. Levantamento feito pelo Terra nas dez maiores instituições federais aponta que quatro delas já desistiram das seleções próprias e agora escolhem seus alunos exclusivamente pelo exame nacional. Das seis que ainda não abriram mão do vestibular, quatro confirmam que devem fazer mudanças ainda este ano. As outras duas – Universidade de Brasília (UnB) e Federal da Paraíba (UFPB) – preferiram não responder ao questionamento.
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Na semana passada, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um gigante com cerca de 50 mil alunos, anunciou o fim do vestibular para aderir ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que usa a nota do Enem para selecionar os estudantes. A instituição seguiu o exemplo da Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Federal Fluminense (UFF), Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e praticamente 100 outras universidades públicas de todo o País que passaram a usar o Sisu. Na lista das dez maiores instituições federais – com base no último Censo da Educação Superior – a Federal da Bahia (UFBA), Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Federal do Pará (UFPA) e Federal de Pernambuco (UFPE) confirmam que a discussão sobre a adoção integral ao Enem será levada a discussão nos conselhos universitários ainda este ano, com a possibilidade de mudanças para a próxima seleção de novos alunos.
De acordo com a pró-reitora da UFPE, Ana Cabral, as mudanças devem ser anunciadas em breve, já que provocam impacto na vida de milhares de estudantes que já estão se preparando para os vestibulares tradicionais. “Vamos levar esse debate para a reunião do Conselho Universitário. Não temos uma data ainda, mas a gente tem que fazer isso logo, no mês de abril, porque as escolas precisam saber disso”, afirma a pró-reitora. Para ela, as últimas polêmicas envolvendo a correção das redações – estudantes receberam boa nota mesmo fazendo “deboche” com receita de macarrão e hino do Palmeiras – não devem afetar a decisão dos conselheiros.
“Quando surgiu a possibilidade do Enem como processo de vestibular, as pessoas ficaram um tanto cautelosas, porque era uma coisa nova, mas agora está no quinto ano, sofreu aperfeiçoamento. Na última edição, não teve nenhum problema”, justifica. Atualmente, a UFPE utiliza o Enem como primeira fase do vestibular, mas para Ana Cabral a universidade já está pronta para aderir completamente ao Sisu. “Claro que eu não posso garantir que isso vai acontecer este ano porque não sou eu quem decide, isso é atribuição do conselho”, garante.
Na UFBA, o Enem também substitui a primeira fase da seleção e já é a única opção para candidatos aos cursos tecnológicos e interdisciplinares. A expectativa da reitoria é acabar com o vestibular ainda este ano, embora o pró-reitor de Graduação, Ricardo Miranda, confirme que mudanças significativas como essa ainda encontram resistências na universidade. “A reitoria propôs essa mudança e já iniciamos a discussão. Claro que isso leva tempo até todos os conselhos fecharem acordo, geralmente essas mudanças significativas não ocorrem de um ano para outro.”
A primeira discussão na UFBA já tem data. No dia 4 de abril, o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do MEC responsável pelo Enem, vai participar de uma reunião na universidade. O objetivo: convencer os conselheiros sobre a importância do exame nacional. Em entrevista ao Terra na semana passada, Luiz Claudio Costa confirmou a agenda, mas disse que não faz nenhuma pressão para que as universidades acabem com os vestibulares. “Sempre participo dessas reuniões quando sou convidado pelas instituições, mas todas têm completa autonomia para decidir se querem ou não aderir ao Sisu”, disse Costa.
Embora o Enem ainda enfrente resistências na UFPA, o pró-reitor de graduação, Mauro Miranda, diz que a discussão deve ser levada ao conselho universitário no primeiro semestre deste ano. Atualmente a universidade usa o Enem como primeira fase, o que, segundo Magalhães, “funciona bem”. “Gostamos desse modelo porque na segunda fase podemos fazer uma prova cobrando conteúdos mais regionais, como a geografia da região amazônica, escritores locais, coisas que o Enem, por ser um exame nacional, não aborda”, afirma.
Em nota, a UFRGS disse que o seu vestibular é “tradicional e consolidado”, mas que também trabalha em mudanças. “A UFRGS sempre está aberta ao debate sobre opções de ingresso na graduação. (…) O vestibular de 2014 poderá ter mudanças relacionadas ao Enem, mas esse tema ainda não foi colocado em discussão”, informou.
Tendência é acabar com o vestibular em pouco tempo
Última universidade federal a aderir à seleção por meio do Enem, a UFMG precisou enfrentar resistências de escolas, estudantes e professores, mas conseguiu aprovar o fim do vestibular em uma votação no conselho universitário que contou com 40 votos favoráveis e apenas dois contrários. Reitor da universidade, Clélio Campolina diz que essa é uma tendência que deve se confirmar em todas as instituições federais em um curto período de tempo. “Conversei com reitores de várias universidades que já usam o Enem, a UFRJ, a Unifesp, a UFSCar, e também com reitores que têm suas seleções próprias. A UFRGS, a UFBA, a UFPA estão discutindo isso. Então eu não vi nenhum reitor reclamando, querendo sair, mas vários querendo entrar”, disse Campolina.
Ele ainda cita o caráter democrático do Enem. “Todos os países desenvolvidos têm um exame nacional. Nós achamos isso um grande avanço, uniformiza prova, da oportunidade para todos os candidatos, tem efeito sobre educação pública”, defende o reitor. Ele diz também que abrir mão da estrutura já montada pela maioria das universidades para a preparação dos vestibulares não é um problema. “No nosso caso, a comissão vai continuar trabalhando porque cursos com habilidades específicas vão precisar manter provas de técnica, mas muitas funções serão desativadas e essas pessoas serão deslocadas para outras áreas. Não é um problema.”
Segundo o ex-presidente do Inep e professor da Universidade de São Paulo (USP) Reynaldo Fernandes, para muitas universidades é até um “alívio” abrir mão do peso de elaborar um vestibular próprio. Para ele, a maior resistência ao Enem não está nas mudanças em sua estrutura interna, e sim na confiança na prova nacional. “Acho que a adoção do Enem é uma tendência, o exame está se estabilizando, ganhando confiança, mas é evidente que é uma prova muito grande que gera problemas”, diz ao citar as falhas na logística nas edições de 2010 e 2011, como o furto de cadernos e vazamento de questões do pré-teste.
O especialista, que foi um dos idealizadores do Enem, aponta que um dos principais benefícios do Enem – e que precisa ser mais discutido – é a mudança no ensino médio, abordando conteúdos de forma interdisciplinar e sem as “decorebas” do vestibular, opinião compartilhada pelo pró-reitor da UFBA. “Hoje a UFBA define como vai ser o ensino médio nas escolas da Bahia. Em cada Estado ocorre a mesma coisa. Mas se tivermos uma sinalização conjunta do que deve ser ensinado no ensino médio, como propõe o Enem, daremos um passo à frente para melhorar a educação no Brasil”, afirma Ricardo Miranda.
As polêmicas que permeiam Enem desde que ele se tornou um exame nacional, observa o professor da USP, impedem que se discuta o conteúdo cobrado. “Quem ditava o ensino médio no Brasil era o vestibular, e o Enem surge para mudar isso. Só que são tantas polêmicas, muitas delas tratadas de forma exagerada (pela mídia), que até hoje só vi se discutir a logística do exame, ninguém até hoje propôs um diálogo sobre a função da prova”, critica.