Barreiras físicas, burocráticas e sociais dificultam o ingresso dos deficientes físicos no ensino superior. Menos de 2% de graduandos das universidades de Mato Grosso tem algum tipo deficiência. Na Universidade do Estado (Unemat) esse índice é apenas é 0,07%, muito pouco frente a estimativa de 250 mil deficientes que vivem no Estado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Parece mentira, mas a falsa ideia de que essas pessoas devem ficar em casa em vez de estudar e trabalhar ainda tem raízes no censo popular. Kamila Cristhine Fonseca, 24, tem deficiência auditiva, viveu essa realidade, mas não se deixou abater pelos comentários. "As pessoas não acreditam que um surdo pode fazer uma faculdade, mestrado, doutorado", conta com os gestos rápidos e precisos de quem domina a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Uma das coisas mais complicadas para o surdo é entender a língua portuguesa, pois além da Libras utilizar outra sintaxe – disposição das palavras na frase – não há a fonética. Por isso, disciplinas como português, redação, história e geografia tornam-se um dilema na vida de um deficiente auditivo. Essa dificuldade o acompanha desde o momento que coloca o pé na escola e se agrava no vestibular.
Para ingressar no curso de Sistema de Informação, na Universidade de Cuiabá (Unic), Kamila dedicou grande parte da sua vida escolar para o estudo do português. Para fazer o vestibular, focou na redação como nenhum outro candidato. Aprovada, começava outra dificuldade, compreender aquilo que o professor dizia.
Desde os primeiros anos de escola, Kamila nunca teve a oportunidade de ter um intérprete. Para superar essa carência, sempre sentou na frente do professor e prestava atenção em tudo. Sofreu, reprovou, mas nunca desistiu. Ao chegar à universidade percebeu que a situação era diferente, mais complicada, e com as dicas de uma amiga mudou a realidade da universidade. Ela entrou com um pedido de ação no Ministério Público, solicitando um intérprete e nem isso foi fácil. Para provar que sabia a língua dos sinais precisou fazer um vídeo em que aparecia "falando" em libras.
Hoje ela conta com o acompanhamento diário e incansável do intérprete Sérgio Pereira Maiolini, que também auxilia outra aluna no curso de engenharia civil. Como em Mato Grosso não existe um dicionário específico para determinadas disciplinas, intérprete e aluna criaram sinais específicos para compreender melhor a matéria. "É um desafio gratificante. É maravilhoso acompanhar o crescimento de uma pessoa, participar da vida desse aluno e dividir com ele as dificuldades e os sonhos. A Kamila, por exemplo, quer chegar ao mestrado".
Avanços? – Apesar de ser baixo número de pessoas deficientes que chegam ao ensino superior, a presidente da Associação Mato-grossense de Deficientes (AMDE), Lilian Sueli Alves, avalia que houve um certo avanço, já que em outras décadas o deficiente nem saía de casa. "Estamos caminhando, quebramos alguns paradigmas, mas ainda há muito que ser feito. Precisamos mudar toda uma cultura".
A presidente da AMDE lembra que as dificuldades enfrentadas por um deficiente até ele chegar ao ensino superior estão por todas as partes: pouca acessibilidade, falta de conhecimento das leis, pessoas que subestimam à capacidade de aprendizagem do deficiente, pouco apoio familiar, além do pequeno número de escolas de ensino fundamental e médio que trabalham o braile e a libras de modo integral.
Mudanças – Na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), com todos os campi, ainda não se tem o número total de graduandos com alguma deficiência. O que se sabe é que no campus Cuiabá, dos 5 mil alunos, 2,3% declararam ter algum tipo de deficiência. A coordenadora de políticas acadêmicas da Pró-reitoria de Ensino e Graduação (Proeg), Sumaya Persona, explica que um levantamento começou a ser feito para mostrar esses números e traçar uma política para deficientes.
Até então, o que se tem são obras que aos poucos transformam a cara do campus, tornando-o mais acessível, principalmente em relação às rampas, piso tátil e elevadores. Estudantes cegos e surdos devem solicitar junto à Proeg profissionais que o acompanharão em toda a vida acadêmica. Quanto à prova de ingresso na UFMT – que desde 2009 é o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – para 2010 não há mudanças. Entretanto, uma luz foi sinalizada com a criação, este ano, de uma comissão que vai discutir a criação de um vestibular especial para esses alunos a partir de 2011.
Exemplos – O Instituto de Linguagens (IL), da UFMT, vem se transformando em exemplo de acessibilidade e inclusão social, tanto para os demais institutos da própria universidade quanto para outras instituições de ensino superior do Estado. Desde 2005 a direção do IL consegue aprovar projetos no Incluir, um programa do Ministério da Educação (MEC) que investe em acessibilidade.
"Passei a prestar mais atenção na inclusão quando me deparei com 2 alunos cegos em uma aula de história da arte, no curso de música. Eu sou professora dessa disciplina e, na época, tive 100% de dificuldade de trabalhar com eles. Desde então focamos em ações para incluir esses alunos", recorda a diretora do IL, Rosângela Cálix Coelho.
De lá para cá, o instituto foi aprovado no Incluir em todos os anos e com a verba do programa criaram o Núcleo de Inclusão e Educação Especial. Hoje, os deficientes físicos que passam pelo IL têm laboratório de informática adaptado para cegos, cursos de libras para as licenciaturas, rampas de acesso e se preparam para receber um novo banheiro adaptado e identificações táteis.
Mas o melhor está por vir. A partir de 2011 o lL vai oferecer curso de inglês para cegos e baixa visão, baseado em um material didático 100% auditivo. Outra novidade é o ensino de português para estudantes de escolas públicas surdos, que a princípio vai funcionar com uma turma piloto. Para o ensino de libras, o próximo ano contará também com apostilas dividas por áreas do conhecimento.
No Centro Universitário Cândido Rondon (Unirondon), além dos intérpretes e de adequações físicas, a faculdade apostou em bolsas de estudo para deficientes físicos. Atualmente a universidade conta com pouco mais de 100 alunos deficientes, sendo que 32 deles recebem bolsas de até 50%, graças a uma parceria com a AMDE.
Nos vestibulares do Unirondon, os candidatos podem solicitar apoio de ledores ou intérpretes. Já no exame da Unemat, as provas para deficientes físicos são em braile ou com leitura ampliada, dependendo da necessidade do candidato. Mas quanto aos surdos, estes ainda precisam se redobrar os estudos da Língua Portuguesa.