O engenheiro florestal Niro Higuchi, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), afirma que o Ministério do Meio Ambiente (MMA) criou o projeto de Lei (PL) 4.776, que trata da gestão de florestas públicas, para atender à pressão internacional da indústria de madeira certificada.
“As reservas de madeira tropical do oeste africano, do sudeste da Ásia e da América Central estão se esgotando, então os empresários florestais europeus e chineses se voltam para a Amazônia. Há 25 anos, quando cheguei, era difícil concorrer com a produção do sudeste asiático. A madeira amazônica era considerada pesada, escura e difícil de manejar, por causa da diversidade de espécies na floresta. O que mudou?”, questionou.
Para Higuchi, a concessão de florestas públicas a particulares, prevista no projeto, trouxe conseqüências desastrosas nos países em que foi adotada. “Serra Leoa, Nigéria, Uganda, Gama, Tailândia, Filipinas, Malásia, Indonésia, Vietnã, Laos. A lista é grande e não há exemplo de qualidade de vida. Em todos, a população local continua pobre e, o que é pior, agora sem a floresta.”
Historicamente, segundo o professor do departamento de Física da Universidade Federal do Amazonas Marcílio Freitas, as políticas governamentais para a região têm sido desastrosas. “Há uma constante tensão entre a Nação e a Amazônia”, diz Freitas. “Para as populações endógenas [locais], a floresta não é só um conjunto de madeira, as árvores falam. E esse aspecto simbólico –cultural – não foi levado em consideração.”
Freitas informa ainda que há cerca de 250 espécies vegetais por hectare (10 mil metros quadrados) de floresta. “É uma diversidade biológica que o reflorestamento não conseguirá recompor”, argumenta. “Nossos estudos mostram que as árvores retiradas na região de Manaus têm entre 200 e 1.400 anos de idade. Não é difícil imaginar que a floresta tenha pelo menos 1.500 anos. Estamos destruindo algo que ainda nem conhecemos”, completou Higuchi.
O MMA estima que em dez anos a concessão de florestas públicas atingirá uma área máxima de 13 milhões de hectares (cerca de 3% da Amazônia Legal), com receita anual direta (pagamento pelo uso do recurso florestal) de R$ 187 milhões e arrecadação de impostos da cadeia de produção da ordem de R$ 1,9 bilhões anuais.
“Esses números não levam em consideração os gastos que os governos, federal, estadual e municipal terão com infra-estrutura, com atendimento das necessidades básicas das populações que serão atraídas para a Amazônia”, apontou Freitas. “O projeto se diz sustentável do ponto de vista ambiental e social. Mas o mercado é sustentável? Como equacionar essa contradição?”
“Os principais argumentos dos defensores do projeto é que ele vai inibir o desmatamento, a produção ilegal de madeira e a grilagem de terras. Mas já há leis específicas para combater esses crimes. Se elas não funcionam, por que uma nova lei funcionaria?”, apontou Higuchi.