Com o fim dos incentivos fiscais, de aproximadamente R$ 1,1 bilhão (ano) concedidos a 302 empresas, Mato Grosso perderá dois terços dos empregos, ou seja, cerca de 473 mil postos de trabalho (cálculo baseado no balanço Rais/MTE de 2011, que contabilizava estoque de 709,3 mil empregados naquele ano). A visão “apocalíptica” do presidente da Federação das Indústrias de Mato Grosso (Fiemt), Jandir Milan, não está sozinha. Vem acompanhada de um “coro aterrorizado” com o futuro econômico, que se encaminha para uma “revolução”. Palavra acertada para explicar as consequências de uma “guerra fiscal” contada diariamente nas páginas de política e econômica dos jornais. Em suma, negocia-se o perdão dos créditos tributários concedidos pelos estados junto ao ICMS, incentivos da guerra fiscal que foram considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Mas antes mesmo do Senado discutir a unificação das alíquotas interestaduais do ICMS em 4% até 2021, a União apresentou e aprovou a Medida Provisória 599, que cria fundos de compensação para essas perdas de arrecadação. Solução ou alvo de maiores desconfianças e “duras” críticas. Tratando dessa questão, o economista Paulo Ronan opina sem receio. “É uma medida ‘burra” porque a política tributária é uma das ferramentas para fazer política econômica. Quando se unifica, ela engessa o governo”. Mesmo a favor do incentivo fiscal, o especialista atribui a “má fama” dele ao uso para favorecimento. “Por causa da banalização e do ‘compadrismo” na concessão do incentivo ‘demonizou-se” uma ferramenta importante para a promoção do desenvolvimento. Por causa de um critério muito mal feito, que dava incentivo às empresas, mas não ia cobrar depois a contra partida social de geração de empregos e impostos”.
Como diz o economista, “aberrações” que ocorrem pela falta do controle social, da ausência da atuação dos conselhos e de maiores discussões desses pedidos de concessões junto às entidades e em audiências públicas. “Do ponto de vista de Mato Grosso, ao contrário da produção primária que somos líder, vamos precisar sim dos incentivos para industrializar. A nossa bancada tem que resolver isso, se não vão mexer no trabalho de longo tempo, uma luta em Mato Grosso para criação da ZPE em Cáceres, tem que ver se a unificação a atingirá”.
Porém, esse não será o “apocalipse econômico” estadual na “previsão” do economista licenciado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Vivaldo Lopes, que identifica vantagens na unificação da alíquota do ICMS. A medida, conforme o especialista, precisa ser feita para reduzir o Custo Brasil, apesar de que no primeiro momento vai impactar o caixa dos estados, que necessitam ter garantias e ser compensados. No entanto, como item componente da guerra fiscal, Lopes afirma que a falta da padronização tributária em relação ao ICMS também acarreta insegurança no ambiente de negócios. As empresas reduzem investimentos e, consequentemente, provocam o recuo no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
“Acho favorável, precisa haver a padronização de alíquota, que não vai destruir o processo de desenvolvimento dos estados”, afirma o economista, frisando que a retirada dos incentivos fiscais de todos (estados) não causa tanto estrago quanto se deixasse para um e não para outro. Questionado sobre a concorrência com São Paulo, o economista é enfático: aquele Estado sempre ficará em uma posição vantajosa, porque tem a maior demanda de consumidor e a maior capacidade produtora.
Para Jandir Milan, presidente da Fiemt, o fim do incentivo não colocaria nenhum Estado no mesmo patamar porque as empresas de Goiás e Brasília, por exemplo, estão melhor localizadas. “Quando você olha o balanço das empresas que têm incentivo, o valor dele é maior que o lucro. Se não tivesse, não venderia nada. Se Mato Grosso não tomar juízo e renovar os incentivos vai perder dois terços dos empregos no Estado”, alerta Milan, reforçando que toda a cadeia dos fornecedores que cerca essas empresas terão perdas de postos de trabalho. Com a padronização da alíquota e sem incentivo fiscal, Milan dispara: “pode acabar a insegurança jurídica. Mas investir para vender para quem? Como é que vende via pregão eletrônico, onde Brasil inteiro concorre?. Os preços são globalizados, mas o frete para levar é desigual. Compensava pelo incentivo fiscal”.
Detendo um mercado consumidor pequeno, com uma logística cara e difícil, esse modelo com 4% valendo para todos prejudica o Mato Grosso, também na avaliação do economista Vitor Galesso, especialista em comércio exterior. “Acaba perdendo empresas para outros estados como Minas Gerais (Triângulo Mineiro) e mesmo Goiás, que está vizinho da gente, mas que tem um mercado consumidor bem mais forte que o nosso. Para Mato Grosso, essa mudança realmente traz perdas. Quem leva vantagem são os estados desenvolvidos, São Paulo particularmente”.
Mas os mato-grossenses não serão os únicos e nem os mais prejudicados. Segundo Galesso, os estados considerados periféricos, que têm mercado consumidor pequeno, perdem. No entanto, o Amazonas que já tem um regime complicado por causa da inviabilidade terá uma perda muito intensa, “maior que a nossa, proporcionalmente porque aqui a gente tem um setor produtivo exportador forte, capaz de atrair recursos”.
Por que não? – “A unificação de 4% pode ser benéfica”, avalia o cientista político Alfredo da Mota Menezes, apontando a decisão como possível potencializadora do processo de industrialização da matéria-prima produzida no Estado. Afinal, ao invés de pagar 12% para transportar uma (futura) soja industrializada daqui para outros estados, pagaria-se 4%. “Montamos fábrica em Rondonópolis, colocamos no trem para São Paulo e cobramos 4%. Uma coisa para discutir, trabalhar o parque industrial”.
Além disso, o analista ressalta que alguns governos já estariam buscando outras formas para socorrer as empresa como BNDES, Finep, bancos regionais, em razão de estarem perdendo muita arrecadação. “Não é só o incentivo do ICMS que traz empresas”, diz Menezes, destacando que Mato Grosso precisa buscar alternativas para incentivar as cadeias produtivas, criando parque tecnológicos como ocorreu em Minas Gerais . O cirurgião dentista Marcos Agostinho, 47, também enxerga uma “luz no fim do túnel”. “Arrecadar menos não seria cobrar menos do contribuinte? Podemos ver que tem um lado bom nisso tudo. O que precisamos não é arrecadar mais e sim gastar melhor. Cuidar para que o nosso dinheiro não seja ‘vítima” da corrupção”.
Governo – A Secretaria de Fazenda de Mato Grosso estima perdas de até R$ 835 milhões na arrecadação com a unificação das alíquotas do ICMS no ano em que ela chegar a 4%. De acordo com o secretário-adjunto da Receita Pública da pasta, Nardele Pires Rotebarth, a unificação de alíquotas torna praticamente inviável aos estados menos desenvolvidos, como é o caso de Mato Grosso, atrair indústrias, investimentos e novas opções econômicas. “Estamos preocupados sobremaneira com os reflexos dessa unificação na matriz econômica estadual, pois retira dos governos locais a capacidade para financiar iniciativas geradoras de desenvolvimento. Pode gerar reflexos danosos e condenar os estados à estagnação. Além disso, vemos como grande o risco de muitas empresas já instaladas no Estado se mudarem para os grandes centros”, afirma o secretário, destacando que Mato Grosso e os demais estados diretamente afetados com a mudança defendem a manutenção do atual regime.
Nesse cenário “assustador”, o economista Vitor Galesso chama a atenção do governo do Estado, que tem uma tarefa árdua há muito tempo não cumprida – “a obrigatoriedade de buscar dentro da sua cadeia produtiva a indução de processo de aprimoramento e de revitalização interna e externa do Estado, trabalhando mais fortemente em pesquisa e desenvolvimento. Enfim, nos setores que a gente pode observar capazes de gerar novos resultados. Mas não há o que se possa fazer em curto prazo”. Pensando nisso, para o especialista, seria salutar que os gestores seguissem duas regras: uma política de redução de gastos na máquina pública, que viesse junto com uma política intensa também de redução de tributos dentro da cadeia interna, que sacrifica os setores de comércio e serviços e que acaba, segundo Galesso, levando alguns investimentos para outros estados.
Fundo de compensação – “A redução das alíquotas é um caminho sem volta”, afirma Vivaldo Lopes, garantindo que o governo federal vai insistir na padronização porque o país tem que tratar a questão como um problema que precisa ser equacionado macroeconomicamente. “O que os estados precisam é se estruturar bem para fazer a transição, obter garantias que o impacto na economia será mitigado com recursos colocados no Fundo”. Esse é o chamado fundo de recomposição das perdas, um dos criados pela Medida Provisória 599 e que condiciona tal ressarcimento à suspensão e cassação de benefícios fiscais concedidos à revelia do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
“Neste ponto, o governo federal encerra a guerra fiscal, mas também trava a atração de indústria para os Estados”, declara o secretário-adjunto de Receita Pública da Sefaz, ao questionar o limite de R$ 8 bilhões do fundo que serão divididos entre os estados no prazo de 20 anos. “A compensação não pode ter este limite, que nós consideramos insuficiente, tendo em vista que somente Mato Grosso terá uma perda de R$ 835 milhões. Ele também deve levar em conta as perdas provocadas pelas desonerações da Lei Kandir, que hoje deixamos de arrecadar R$ 2 bilhões e somos ressarcidos em cerca de R$ 280 milhões. Esta compensação não pode ter um prazo, deve durar enquanto a perda existir”.
Assim, o fundo surge rodeado por “fantasmas” das insatisfações que “nasceram” de propostas semelhantes. No topo da lista a já lembrada Lei Kandir, que prevê o ressarcimento dos Estados com a dispensa do ICMS em operações que destinem mercadorias para o exterior, bem como os serviços prestados a tomadores localizados no exterior. Existe receio também de que parcelas das dívidas dos governos sejam subtraídas dos recursos que deveriam ser depositados no fundo de compensação. Na avaliação de Lopes essa não deve ser uma preocupação porque os contratos dos estados com a União são antigos e os pagamentos estão sendo honrados.
Difícil é reconquistar essa confiança. “Não acredito que o ente federativo (União) venha a cumprir. Da mesma forma que não confio na compensação criada pela Lei Kandir, também a nível federal, assim como o Fethab, no Estado”, afirma o especialista em auditoria contábil e tributária, Alvides Ataídio Gonçalves, destacando que o fundo não é para o empresário que perde o benefício fiscal. “Com o fim dos incentivos acaba a única segurança jurídica de um Estado complicado como o nosso”, diz acreditando na possibilidade de reverter essas medidas, através de uma mobilização das bancadas dos estados afetados.
Alfredo da Mota Menezes espera uma reação diferente diante do que, segundo ele, é a “uma realidade já aceita pelos governadores. Fato consumado, que não será alterado”. Para isso, o cientista político frisa que a União foi muito hábil noconvencimento dos estados, ao negociar mudanças no indexador das dívidas dos estados paralelamente à MP 599, ficando acordado que, ao invés de usar o IGP-Di mais 6% ou 7%, fechando em 15%, o calculo do juro anual a ser pago pelos estados passaria a ser a taxa Selic, atualmente em 7,25%. Fazendo uma conta a grosso modo, Menezes aponta que a redução desse indexador geraria cerca de R$ 300 milhões de economia aos cofres do Estado.
Isso ao considerar o pagamento somente dos juros de uma dívida de R$ 4 bilhões (excluindo o valor de R$ 1,5 bilhão da dívida vendida para bancos) cairia de 15% para 7,5%. “Mato Grosso tem que deixar de choramingar para não perder, como acontece com a Lei Kandir”, diz o analista, questionando os parlamentares e o governo do Estado sobre a ausência de um estudo sobre o quanto Mato Grosso poderá ser beneficiado nos fundos criados pela MP 599.
Fundo de Desenvolvimento – A medida provisória prevê ainda a criação do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR). O segundo fundo, ou melhor, seus critérios de distribuição dos recursos também deveria reter a atenção do Estado na avaliação de Alfredo da Mota Menezes. “Ele é confuso”. Os R$ 296 bilhões do Fundo de Desenvolvimento Regional serão destinados de maneira mais forte para estados com PIB per capita menor que a média nacional e quantias menores para os que estão acima da média. Nesse caso, o PIB per capita de Mato Grosso estaria por volta de R$ 20 mil, enquanto a media Brasil e R$ 21 mil. Entra também na conta da distribuição do FDR a questão populacional, significa que o Estado receberia pouco e o Maranhão mais porque tem PIB per capita de R$ 6 mil?”
Pelo levantamento realizado pela Sefaz, quando o FDR chegar à sua capacidade total, ou seja, em 2017, o Estado teria direito a receber em linhas próprias para investimento, aproximadamente R$ 310 milhões. “Este montante apresentado também é insuficiente. Estamos debatendo com o setor produtivo de Mato Grosso o assunto”, concluiu Nardele. Diante disso tudo, o setor industrial tem esperança que os parlamentares dos estados atingidos, que são maioria no Congresso, revertam essa situação. “O governo federal está pensando em salvar o dele. Vai repor as perdas dos Estados e vai quebrar as empresas. O governo não passa o dinheiro (do fundo) para nós. Quem vai salvar o couro das empresas?”, completa Milan.