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Crise no agronegócio de Mato Grosso é destaque em um dos principais jornais franceses

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No Estado do Mato Grosso, os agricultores estão revoltados com o governo, por causa da valorização do real em relação ao dólar que tornou sua produção deficitária; nem mesmo a liberação de uma verba de R$ 1 bi por Lula para asfaltar a BR163 apazigua sua ira, apesar da importância vital desta obra.

Os pioneiros estão aqui. No oeste. Eles estão determinados a fazer recuar mais um pouco a “fronteira”, esta linha imprecisa que separa os campos de soja da selva amazônica.

Este é justamente o caso do velho Mario Guardado Rodrigues, um português jovial e barrigudo no volante de uma camionete com ar-condicionado. Esses pioneiros andam em velocidade rumo a um destino desconhecido, eles aceleram numa estrada estreita e esburacada, beirada por terra vermelha e por um matagal cerrado. Eles circulam em ziguezague para evitar os buracos e contornar os caminhões que avançam aos trancos e barrancos, sacudindo seus carregamentos de grãos ou de madeira.

Esta estrada, a BR-163, é a derradeira pista a ser conquistada. A trilha íngreme do futuro. Em breve, ela fará a conexão entre as culturas do Mato Grosso e os portos do rio Amazonas, e os pioneiros, que são pessoas otimistas, há muito tempo já se instalaram nas suas cercanias. Eles aguardam o futuro com paciência, e trabalham todos os dias exceto aos domingos, quando convém rezar e celebrar “o Senhor Jesus”, que é venerado aqui em imensos templos evangélicos.

Então chega a hora de se dedicar a uma outra religião, o futebol. O esporte é praticado num prado banhado pela luz do fim de tarde. Enquanto isso, debaixo das árvores, as mulheres e os idosos assam carne numa churrasqueira fabricada com um meio-barril de petróleo. Na sombra, as garrafas de plástico de guaraná diet aguardam dentro de uma grande caixa de isopor repleta de gelo. “Quando ela for finalmente asfaltada, esta estrada, a nossa vida irá mudar”, diz Mario, que buzina com toda força ao ultrapassar tranquilamente um ônibus em plena curva, sem visibilidade.

Se ainda existe um Faroeste, ele está neste canto do Brasil, a noroeste do Estado do Mato Grosso. E Cuiabá é a sua capital. Esta aglomeração oferece bares ao ar livre, grandes postos de gasolina do tamanho de um estádio, amplas avenidas, policiais brutais, um calor estúpido, garotas decotadas demais e torres em fase de construção – uma delas foi batizada de “Castelo vertical” por um promotor inspirado.

Quando ela surge no horizonte e que o viajante a descobre de longe, depois de horas de uma viagem caótica, Cuiabá, com os seis prédios erguidos na orla da selva, parece ser uma promessa de civilização, a realização urbana dos princípios que Auguste Comte (filósofo francês, 1798-1857) inspirou ao Brasil: “Ordem e Progresso”, inscritos na bandeira nacional.

Mas, aqui, o progresso avançou um pouco rápido demais para que a ordem reine verdadeiramente – no espaço de uma semana, no final de abril, um lote de Viagra falsificado foi confiscado pela polícia, uma vaca errante teve que ser capturada com lasso dentro de uma padaria do centro da cidade, e dois jovens rapazes foram mortos a balas durante um acerto de contas.

No fundo, as pessoas da região estão pouco ligando para essas peripécias urbanas. No Mato Grosso, é a terra que conta. Elas vão para a cidade apenas quando precisam tratar dos seus negócios, ou para ir até o aeroporto – mais tranqüilo do que uma estação de trens de província, com lanchonete, restaurante, toaletes e banca de jornais, e onde ninguém se preocupa em verificar o conteúdo das bagagens de mão dos viajantes – ou ainda para conversar entre amigos com os políticos locais.

O governador, Blairo Maggi, é um homem rechonchudo. Ele usa uma pinça na gravata e tem as pálpebras pesadas. Ele é o maior produtor de soja do mundo. Aqui, quando você é um agricultor, o poder entende suas preocupações. E preocupações, “é o que não falta”, diz Mario, que veio à cidade para organizar a revolta.

Até recentemente, graças à soja, o Mato Grosso era o novo eldorado do Brasil. Hoje, para a surpresa geral, as coisas não são bem assim. Estamos em plena crise. Os agricultores organizaram dezenas de barragens e bloqueiam as estradas da região. Contudo, as cotações da planta oleaginosa não desmoronaram, enquanto os mercados externos – entre os quais o da China – seguem mantendo a demanda. O que está acontecendo, então? “Bem, isso tudo é culpa de Lula e da sua política monetária devastadora”, responde Mario. “O real está alto demais e o dólar está baixo demais; é isso que está nos levando para a ruína”.

Mario colocou um adesivo de plástico no vidro traseiro da sua camionete. Caricaturado com uma cabecinha redonda e barbuda sobre um corpo de minhoca, o presidente Inácio Lula da Silva nele aparece com a seguinte frase: “Lula, a nova praga da soja.”

Contudo, o chefe do Estado nada tem contra a agricultura, que faz do seu país uma potência. Assim, ele promete um futuro radiante para as bio-energias. Ele autorizou, por um período “transitório” que corre o risco de se eternizar, o cultivo da soja transgênica no Estado do Rio Grande do Sul, e ele nunca disse que a Amazônia era intocável. Mas Lula já deu início à campanha para a sua reeleição. E, com toda certeza, a sua prioridade não é de seduzir os grandes proprietários do Mato Grosso que alegam estarem à beira da falência, e sim, muito mais de alimentar a imensa massa dos pobres e de tranqüilizar os investidores estrangeiros por meio de uma rigorosa política monetária.

Num discurso televisivo que ele pronunciou em 1º de maio, o presidente declarou-se orgulhoso por ter conduzido o Brasil rumo “à auto-suficiência petroleira”, por ter reembolsado sua dívida (US$ 180 bilhões, equivalente a cerca de R$ 400 bilhões) junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e por ter tirado, por meio do programa Bolsa Família, 36 milhões de brasileiros da desnutrição e outros 3 milhões da miséria”. É verdade, reconhece Mario, o povo está podendo comer por pouco dinheiro, mas o agricultor, por sua vez, não pode mais trabalhar”.

O Mato Grosso é o produtor o mais importante e o primeiro exportador de soja no mundo (18 milhões de toneladas neste ano). Ele é também o produtor o mais importante de algodão do Brasil e conta o maior número de bovinos do país, com cerca de 29 milhões de cabeças. São grandes bois brancos que mais se parecem com búfalos. Eles se alimentam dos pastos tenros de uma savana que no passado era uma selva (“mato grosso” quer dizer “floresta espessa”). Nesta região também são cultivados milho, arroz e cana-de-açúcar.

A agricultura e a criação representam 70% do produto interno bruto (PIB) desta região que, até o ano de 2005, havia conhecido um crescimento dez vezes mais rápido do que o do resto do país. Trata-se de um setor de desempenho particularmente brilhante.

As pastagens e as terras cultivadas ocupam 8% apenas da superfície total do Estado, essencialmente na região de savana arborizada do Noroeste, chamada Cerrado. No sul, está situada a extraordinária zona inundada do Pantanal e, no norte, fica a orla da Amazônia.

No início dos anos 80, todo mundo entendeu que o Cerrado, até então reputado improdutivo, era um local ideal para a exploração agrícola mecanizada. Havia muitas terras que não custavam muito caro e que eram planas. Ali, chovia o suficiente nos momentos oportunos e o grau de exposição era tão elevado que era possível contar com duas safras por ano. Portanto, começaram plantando soja na região. Na época, inúmeros colonos foram incentivados pelo governo e pelo seu Instituto Nacional de Colonização e de Reforma Agrária (Incra) a cultivar lotes de 400 hectares, diminuindo com isso a pressão demográfica sobre as terras do sul do país. Mario Guardado Rodrigues foi um daqueles colonos.

No final de abril, ele estivera em Cuiabá para participar de uma assembléia geral da Famato, a Federação patronal da agricultura e da criação do Mato Grosso. Esta reunião foi uma espécie de levante revolucionário tropical. Os seus revolucionários, todos eles homens de idade madura, trajando calças jeans e camisetas, juraram conduzir a batalha até o fim, com constância e fidelidade, organizando a revolta e coordenando as barragens nas estradas.

No dia seguinte, Mario está no seu feudo, em Diamantino, uma aldeia até que bastante grande que fica a três horas de Cuiabá, cercada de silos de grãos, e, no horizonte, perdidos em algum lugar neste planalto sem fim, os 30.000 hectares que ele passou a cultivar, mas que ele não tem certeza de poder semear na próxima temporada. Mario tem 64 anos. Baixinho, com a barriga para frente e o boné virado para trás, ele dirige a operação de bloqueio da estrada que atravessa uma imensidão plana. Uma lona de plástico levantada entre dois tratores abriga do sol os agricultores manifestantes. No cardápio do seu almoço, um ensopado de carne com arroz e feijão preto. Eles dizem que a crise é profunda e que o seu endividamento é colossal.

A divisa brasileira valorizou-se em 53% em relação ao dólar desde maio de 2004, em função da ação combinada de fortes exportações, principalmente agrícolas, de uma gestão virtuosa das finanças públicas, da redução do endividamento e da manutenção de uma taxa de juros elevada (15,75%) que atrai para o Brasil dólares em busca de remuneração atrativa.

“Isso não pode continuar desse jeito”, afirma Mario. “Os custos de produção se tornaram elevados demais. Um litro de diesel custa R$ 2,2, ou seja, metade mais caro do que na Argentina, onde ninguém, que eu saiba, está indo à falência. Há um ou dois anos, era preciso pagar US$ 180 para importar 1 tonelada de adubo. Agora, nós temos de desembolsar US$ 310 [R$ 685]. Um hectare de terra pode produzir cerca de 3 toneladas de soja, que são vendidas a R$ 700. Mas, para produzi-las, é preciso gastar R$ 1.200. Em média, nós estamos perdendo US$ 200 [R$ 442] por hectare. Com isso, só neste ano, eu perdi US$ 600.000 [R$ 1.325.880]”.

Mario nasceu perto de Coimbra, a antiga cidade portuguesa conhecida pelos seus fados e a sua universidade, uma das mais antigas da Europa, “a única no mundo”, diz, dando risada, “que realmente tentou educar os portugueses”.

Ele tinha 18 anos quando ele partiu para o Brasil, em busca de uma vida melhor, em companhia do seu irmão. “Foi no ano de 1958. Os nossos pais também vieram para cá e se juntaram a nós em 1961. Primeiro, nós trabalhamos como pedreiros, e então, durante doze anos, eu vendi livros de casa em casa – eram livros de conselhos para a família, que davam dicas de higiene, culinária, saúde, e outros assuntos do gênero. Eu procurei por aventura também na Argentina, no Chile e no Paraguai. Finalmente, eu voltei para o Brasil e comecei a trabalhar na agricultura no Rio Grande do Sul. Lá, plantei arroz, mas não deu muito certo. Em 1983, eu cheguei a Diamantino. O pessoal estava começando a plantar soja por aqui. Era muito promissor. Isso funcionou muito bem durante vários anos”.

Os agricultores exigem do governo não só que ele reveja sua política monetária, explica Mario, mas também que ele cumpra uma antiga promessa que ele nunca cumpriu: asfaltar a BR163. “Com isso, nós poderíamos utilizar o porto de Santarém, no rio Amazonas, no Estado do Pará. As nossas colheitas seriam então transportadas por navios até Belém, na embocadura do rio, e então, a partir dali, seriam exportadas para a Europa. Nós poderíamos assim dividir por dois os custos atuais com o transporte pelas estradas que levam para o Sul até o porto de Santos, no Estado de São Paulo”.

É uma longa história, essa desta rodovia nacional que atravessa a floresta amazônica. O trajeto de Cuiabá até Santarém é um autêntico pesadelo de 1.700 quilômetros, dos quais 900 passam por uma pista de terra. A viagem pode demorar duas semanas durante os seis meses que dura a estação das chuvas, quando os proprietários de tratores ganham então sua vida ajudando a arrancar da lama os caminhões atolados.

Em Santarém, o principal monumento, dizem os habitantes, é o silo da companhia americana Cargill, um terminal cuja construção custou US$ 20 milhões (R$ 44,2 milhões) que só está esperando pelos grãos do Mato Grosso para funcionar plenamente. “Foram os militares da ditadura que abriram esta estrada, e, desde então, assim como acontece com freqüência no Brasil, ninguém mais cuidou desta obra”, lembra Mario.

Contudo, a abertura desta simples pista desencadeou uma onda de exploração selvagem da selva, que abriu clareiras de uma extensão de 30 a 50 quilômetros ao longo do seu percurso. Esta colonização selvagem foi marcada por roubos de terras e por conflitos violentos, num mundo sem lei e carente de toda presença efetiva do Estado. A selva perdeu 15% da sua superfície.

No início de junho, possivelmente para conquistar os votos dos agricultores do Mato Grosso, os dos empreendedores da zona franca de Manaus que, eles também, enfrentam problemas de transporte, e também os dos pequenos cultivadores e dos madeireiros da Amazônia, Lula finalmente deu o sinal verde para a liberação de uma verba de R$ 1 bilhão, o valor necessário para asfaltar a BR163, mas também para racionalizar o desenvolvimento das suas ribanceiras, organizar a ocupação dos solos, delimitar as zonas de desenvolvimento e as de preservação.

“Aqui, trinta anos atrás, não havia nada, era um lugar isolado dos movimentos do mundo”, conta Fátima Sonoda, uma senhora amável, sorridente, uma aparência bem comportada que poderia ser desmentida, possivelmente, pelas tatuagens coloridas que adornam seus ombros e seus braços. Ela é ambientalista, uma “ecologista”, um bicho raro por aqui, responsável de uma organização que tem por nome Ecotrópica, que tenta preservar o meio-ambiente no coração da potência agrícola do Brasil.

Ela reúne todas as condições para proferir um discurso radical, mas Fátima expressa opiniões moderadas. Ela defende a globalização porque, segundo ela, os mercados externos se mostram mais sensíveis em relação às preocupações ambientais do que os produtores locais. “Atualmente, os grandes agricultores brasileiros estão começando a se dar conta de que eles devem agir de maneira responsável caso eles quiserem manter seus clientes”, diz Fátima.

Esta ecologista vê com bons olhos o aprimoramento da BR 163. “É uma rodovia muito importante porque ela permite uma melhor integração dos pequenos agricultores e das populações isoladas da Amazônia com o Brasil e o resto do mundo. Mas é também preciso que o governo esteja presente ao longo de toda esta estrada para nela fazer respeitar a lei. Sem o Estado, na Amazônia, é sempre a violência que domina”.

Mario, por sua vez, afirma que não é preciso se preocupar. “Dizer que a soja ameaça a floresta não passa de uma mera propaganda. Esta planta precisa de um terreno seco. O solo da Amazônia, saturado de água, não seria adequado para ela. Existe um limite para a extensão das culturas”. Ele também confessa, com um suspiro, que ele votou em Lula e que ele se arrependeu disso amargamente.

Nós estamos na sombra de uma varanda, na pequena casa em Diamantino onde ele vive junto com a sua mulher. Um dos seus dois filhos é engenheiro agrônomo e é ele quem gerencia a fazenda. Ele tem problemas demais para resolver neste momento, explica Mario, e ele não consegue vir para a aldeia. O velho português parece estar cansado, de repente, e ele se deita na rede. “Você sabe”, diz ele depois de um momento, “eles até mesmo nos cortaram a energia, dias atrás”.

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