PUBLICIDADE

Xingu e Gaza

PUBLICIDADE
Alexandre Garcia

São Félix do Xingu, no Pará, está a 1.600 quilômetros ao norte de Brasília. Gaza está a leste mais de 10 mil quilômetros. Para os brasileiros em geral, Gaza é vizinha e São Félix do Xingu é no outro mundo. Não sei se é a tal síndrome de vira-lata, diagnosticada por Nelson Rodrigues, em que a vida brasileira vale menos que as outras, ou se é um mecanismo de fuga, identificado por Freud, que faz a gente se interessar menos por pesadelos no próprio país e viver algum sonho d’além-mar. Fatos gravíssimos estão acontecendo ao norte de Brasília. Faz semanas que fervem os espíritos de brasileiros da Vila Renascer, resultado de um assentamento do INCRA em 1994, “indevido”, segundo a FUNAI, na reserva Apyterewa, de 980 mil hectares onde, em 1998 viviam 218 índios Parakanã.

Veio ordem para desalojar os colonos, que plantam de tudo e criam gado de subsistência, e demolir o povoado, inclusive a escola. Vivem da agricultura familiar e, como não têm aonde ir, resistem. A Força Nacional foi pra lá, helicópteros, IBAMA, FUNAI – e o que acontece tem sido considerado irrelevante pelo país à sua volta. O que acontece em Israel serve para disfarçar o silêncio em relação a brasileiros expulsos de território brasileiro. Todos esquecemos como, em 500 anos, saímos do litoral; passamos por cima da Linha de Tordesilhas, fomos além de Brasília. Nesta semana, previsível, tivemos o primeiro sangue derramado. Um dos que resistiam recebeu dois tiros – um no tórax e outro no abdômen. Ozeias dos Santos Ribeiro 37 anos, produtor rural, pai de família. Morto, ironicamente, em Renascer.  Em vídeo, o prefeito João Kleber relata que ligou para o governador Helder Barbalho, que ligou para o Presidente Lula. Ontem, enquanto a população recebia a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa,  o Ministro da Justiça Flávio Dino mandava suspender a operação de banir a vila, para refletir.

Enquanto isso, em Mato Grosso do Sul, a mil quilômetros de Brasília, dois ônibus desembarcam 80 índios em Rio Brilhante, e invadiram uma fazenda de 400ha, com 7 mil sacos de soja recém colhidos e milho por semear. Foi o que contou, na tribuna da Assembléia Legislativa, o ex-governador, Zeca do PT, hoje deputado estadual. Ele garantiu que Lula pensa também: garantir os direitos dos indígenas mas nunca concordar com invasões de terras produtivas. Zeca do PT foi quem abriu as porteiras da agropecuária do estado para o candidato Lula se eleger pela primeira vez presidente.

Esses episódios mostram uma insegurança básica que afeta o território nacional: a insegurança fundiária, agravada após a interpretação do Supremo do marco temporal deixado pelos constituintes. Ela se junta às inseguranças pessoal, patrimonial e jurídica que nos afetam, que torna o futuro imprevisível. Quem poderia fazer alguma coisa, o Presidente do Senado, declarou em Paris que não vai pautar medidas populares, “porque qualquer instabilidade é muito ruim para o país.” Manter o atual estado de coisas, para ele, é melhor. Significa manter o status quo. Vamos fingir que está tudo muito bem, porque afinal, a mais de 10 mil quilômetros de distância, o Hamas quer eliminar Israel e Israel quer antes eliminar o Hamas. Quando e se houver paz por lá, estaremos de volta por aqui, desfrutando a paz dos passivos e omissos.

PUBLICIDADE
PUBLICIDADE
PUBLICIDADE
PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

Mais notícias
Relacionadas

País de surpresas

No Brasil os acontecimentos conseguem andar mais rápido que...

Na nossa cara

Quem chegou ao Brasil pelo aeroporto de Guarulhos na...

Segurança federal ?

O Presidente Lula talvez tenha querido desviar as atenções...

Lições municipais

Consolidou-se no segundo turno a força do centro-direita que...
PUBLICIDADE