Passando férias na Espanha, dividia o tempo entre caminhar pelos corredores de museus e igrejas e flanar pelas ruas para conhecer a arquitetura e ver as pessoas. Muitas crianças em nossos caminhos e algo nos chamava a atenção nelas. Salamanca, Madri, Bilbao, San Sebastian, Saragoza, Barcelona, Málaga… de repente, em Granada, antes que continuássemos a viagem pela Andaluzia, uma chispa nos fez perceber o que estávamos achando de estranho naquelas crianças espanholas que cruzavam nossos caminhos em todos os quadrantes do país: estavam vestidas como crianças! As meninas de vestidinho, laço na cabeça, sapatinho, rosto de menina; os meninos de calça-curta, cabelo idem, sapato preto. Estranho, não?
O episódio me veio à memória ao recém receber imagens de um conjunto de cinco crianças chinesas, tocando magistralmente violões do tamanho delas. Três meninos e duas meninas – todos vestidos como crianças. Tal como as crianças espanholas – ou quaisquer crianças européias. E diferente do país tropical, sensual. No domingo, lia no jornal da capital do país uma discussão sobre se menina deve usar salto-alto – ouvidos traumatologistas, opinaram que faz muito mal às articulações dos pés, das pernas, da bacia e da coluna, que ainda estão se formando. Mas as mães, certamente, hão de querer vê-las de salto, mulherzinhas, com os lábios carmins de batom e as unhas das mãos vermelhas como sangue – assim como vi domingo, na mesa ao lado do restaurante, e a menina deveria ter quatro anos no máximo.
Sensualizam-se as crianças e lhes roubam a infância. Queixam-se depois de que filhos e filhas se iniciaram cedo demais na vida sexual e um milhão de garotinhas ficam grávidas por ano. E não é só isso. Quando chegarem aos 40 vão lamentar que não tiveram infância, e vão querer vestir-se de menininhas, de saia curta e cabelo longo e, quem sabe, brincar de boneca e de casinha. Como pais e mães caem fácil nos apelos consumistas! Mal a filha passou dos oito anos estão preparando o "book" com poses sensuais. Vejo nos jornais fotos de meninas mortas em episódios de violência e quantas eu vejo como se estivessem posando para uma revista masculina.
Será que o diabo da mãe gostaria de ser chacrete mas não conseguiu e agora se projeta na filha? Será que o pai quer ter o orgulho de ver a filha exposta de roupinha curta, como o pai que me procurou para abrir caminhos para a filhinha na tv?(e foi expulso da minha frente, é claro). Dá uma pena ver isso. Esse atalho para a vida adulta que perde a melhor parte da existência; deixa a infância sem memórias da infância. Um vácuo que depois é preenchido por comprimidos para dormir. Querem um breve contra isso? Leiam Casimiro de Abreu em "Meus Oito Anos".