No último domingo, o jornal O Globo noticiou que o tráfico está dominando UPAs, postos de atendimento de saúde pública, no Rio de Janeiro. O tráfico decide até quem deve ser socorrido, quem pode ser atendido ou não, dominando as agendas e, com isso, provocando a fuga de médicos. A mesma edição mostra um helicóptero com turistas atingido por tiro de fuzil. Quando estou em voo que vai pousar no Rio, fico imaginando quando as armas com poder antiaéreo de que dispõe o crime vão ser usadas para chantagear, ameaçando abater aviões comerciais. Dá um arrepio só de pensar nisso.
Tiroteios na Linha Vermelha, a principal via de acesso ao Rio têm deixado em pânico os que estão nos veículos, obrigados a parar e se abrigar nas muretas, como numa guerra. Granadas e tiros aconteceram há poucos dias em Copacabana, com um porteiro morto. Há anos o tráfico demonstra o poder de fechar comércio e escolas, em represália à prisões de bandidos. Quando este artigo era escrito, havia 92 policiais mortos só neste ano. A cidade é nossa, tá tudo dominado, avisou o funk, há anos. Nesses últimos 50 anos, testemunhei a queda cheia de avisos ao Rio de Janeiro, mas o Rio de Janeiro não ouviu. Não foi de um dia para o outro. Foi pouco a pouco, avançando sem resistência e com anuência.
A Constituição Federal, no artigo 144, diz: “A segurança pública, dever do Estado, direito E RESPONSABILIDADE DE TODOS…”. Escrevi com maiúsculas porque gostaria de gritar essa parte. É assim nos países civilizados. Todo cidadão é responsável pelas leis e pela segurança de si, dos outros e do país. Cidadão e polícia andam juntos pela paz de todos. Cidadão que estaciona em lugar proibido, inclusive em cima da calçada, que passa sinal fechado, que atravessa fora da faixa de pedestre, que usa a faixa quando o sinal está vermelho, que joga lixo no chão, que oferece propina para o guarda, que sonega impostos, que compra contrabando, que aposta em contravenção, não é cidadão e muito menos legal. É um ilegal, que enfraquece a lei e os costumes civilizados. Que se torna refém das consequências de suas ilegalidades.
O filme Tropa de Elite mostra manifestantes cariocas da Zona Sul, em passeatas pela paz durante o dia e à noite comprando a droga que sustenta a compra de fuzis. Assim como o jogo ilegal sustenta os bicheiros, a cocaína e a maconha sustentam os que disparam fuzis. Os que compram as mercadorias baratas sustentam os assaltos a caminhões de carga. Os que têm ojeriza da polícia, estão enfraquecendo sua própria proteção – e talvez defendendo os que os abastecem de drogas. Os que querem polícia longe das escolas, querem criar santuários para os bandidos. Os que elegeram maus governadores também têm sua parcela de responsabilidade. O último, aliás, está no presídio como grande corrupto. Se o jogo do bicho, o tráfico e o contrabando elegem representantes no Legislativo, o que esperar disso? O pior é que a maioria silenciosa, que agora quer dar um basta, pode já ser refém do medo. Quando se derem conta de que também são os responsáveis, e quiserem gritar, talvez já lhes tenham tomado a garganta, a língua e a boca. É o aviso, como farol que sempre foi, que o Rio dá para as outras cidades brasileiras onde o crime vai tomando pé