“O pior cego é aquele que não quer ver”. A sabedoria popular poderia acrescentar, analogamente, que o pior surdo é aquele que não quer ouvir; e o pior mudo é aquele que não quer falar. No Brasil praticamente todos têm celular; e quase 200 milhões de brasileiros são capazes de ler. Isso significa que a maioria dos brasileiros tem condições de consultar, no celular, algo como “liberdade de expressão na constituição”, ou “proibição de censura na constituição”, ou “inviolabilidade de deputados e senadores na constituição”. Fica fácil para a maioria comparar o que está escrito na Constituição e decisões do Supremo e constatar que a Constituição, nossa lei maior, não está sendo cumprida em questões essenciais que caracterizam uma democracia.
Além da fiscalização e julgamento do povo, que é o supremo poder numa democracia, a Constituição exige dos deputados e senadores, e do Presidente da República o juramento de cumprir, guardar e defender a Carta Magna, vale dizer, seguir os princípios lá inscritos e, em especial, a Lei Maior atribui ao Supremo, a guarda da Constituição, e ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica e do regime democrático. A Constituição também estabelece que as Forças Armadas destinam-se à garantia dos poderes constitucionais. E qualquer jornalista sabe que se espera do jornalismo o alerta, a crítica, a denúncia, sempre que perceber qualquer arranhão na maior das leis, que é a Constituição, base da ordem, das liberdades, das garantias, e barreira contra o arbítrio e o avanço do poder sobre os direitos individuais. Mas parece que há um apagão geral.
Dogmas do Direito, como o devido processo legal, o amplo direito de defesa, o juiz natural, a inexistência de juízo de exceção, já foram atingidos por heresias. E a direção nacional da Ordem dos Advogados do Brasil não viu, não ouviu e não falou. Congressistas são violados na sua imunidade absoluta por opiniões e palavras e o Senado, que poderia resgatar o artigo 53 da Constituição não vê, não ouve, não fala. No julgamento de Dilma, os senadores rasgaram pelo meio o parágrafo único do artigo 52 e eu, que transmitia ao vivo para a TV, vi, ouvi e não falei. Não cesso de me repreender por ter perdido a oportunidade de mostrar naquele dia o que está na Constituição.
Por que tanta cegueira, surdez e mutismo? O Senado, que poderia resolver isso, em 81 senadores, tem apenas 24 dispostos a votar impeachments. Se votar, esse resultado reforçaria o atual regime de democracia relativa. Além disso a cegueira, a surdez e o mutismo revelam o pouco-caso que os responsáveis nos três poderes conferem à Constituição e às instituições democráticas. Por enquanto o vácuo de liberdade vem sufocando a direita, mais presente nas redes sociais, e suas vozes na política, mas o autoritarismo não vai se saciar a não ser com o total, de totalitário, que pretende tutelar. Os omissos – no jornalismo, nas instituições públicas e privadas – agem como os três macaquinhos: ouvidos tapados, olhos bloqueados, boca fechada. Amanhã quando os macaquinhos decidirem abrir os olhos e os ouvidos, e quiserem falar, o que conseguirão dizer?