Semana passada em Rio Claro, São Paulo, terra do Doutor Ulysses, dois assaltantes, um de 20 e outro de dezessete anos, invadiram armados uma residência, onde a babá cuidava de gêmeas de 8 anos. O alarme disparou, a babá demorou em desligar, como exigiam os bandidos e o de 17 anos, friamente, para obrigar a babá a desligar o alarme, atirou na cabeça de Gabriela. A família doou os órgãos depois que um tiro roubou uma vida inteira pela frente. Gabriela vive em outros corpos e precisa ficar vivendo na nossa curta memória.
O assassino de 17 anos já havia sido preso em janeiro, por porte ilegal de arma, furto e tráfico de drogas. Mas não poderia ficar preso nem eu posso escrever aqui que ele é assassino, porque a Constituição lhe dá garantias de ser inimputável. O Brasil tem uma média de 137 homicídios por dia. É um dos países mais violentos do mundo. Isso é mais que uma guerra. E a maior parte dos assassinatos é praticada por jovens – que também são as maiores vítimas. Na raiz do problema, a ausência de pais em casa, a falta de formação moral, familiar, de civilidade. Afinal, ensinar modos passou pela censura da patrulha ideológica e foi considerado careta. Com medo da patrulha, o governo aboliu as aulas de educação moral e cívica que supriam a falta da família. Quando eu era menino, sábado era dia exclusivo de educação moral e cívica. E estou falando de um período entre 1946 e 1956. Tínhamos aulas de higiene, de boas maneiras, de ética, de cidadania. Cantávamos o Hino Nacional no Grupo Escolar e depois pesquisávamos as efemérides da semana, estudando os grandes vultos e os acontecimentos históricos. A escola pública primária formava brasileirinhos e brasileirinhas.
Agora vejo que os congressistas podem começar de novo a discutir um projeto que dá carteira de motorista para jovens de 16 anos – idade em que já podem eleger prefeitos, governadores e o presidente da República. Só não podem ser processados nem pagar por seus crimes. Não é uma tremenda contradição ? Se um jovem de 16 anos já tem discernimento para escolher o presidente e então pode votar; se já tem reflexos musculares e cerebrais para manobrar um carro, então já pode dirigir, o argumento vale também para o limite da idade penal. No momento em que a pessoa tem condições de acionar o gatilho de uma arma, e tem noção do certo e do errado, esse é o momento em que passa a responder por seus próprios atos.
De um lado tem que vir a educação para a ética, a lei, a cidadania – em casa e na escola – e de outro tem que vir a perspectiva da punição. Sem formação cidadã e com impunidade, o crime, a droga, os assaltos, os assassinatos cruéis, só vão aumentar. Dêem uma olhadinha em nossos vizinhos sul-americanos, no Chile e Uruguai, por exemplo, e constatem se educação e punição não vêm juntas. E comparem a paz que uruguaios e chilenos desfrutam, com a nossa guerra diária. Se não mudarmos essa descida para a selvageria, seremos todos reféns. Porque fora da lei, manda quem tem calibre mais grosso.