Começou por causa de 20 centavos a mais na passagem de ônibus em São Paulo; agora são milhões. A população pensante perdeu a paciência. Começou com jovens e agora os manifestantes são crianças, moços e gente madura. O protesto ganhou as ruas e janelas de quase todas as cidades do Brasil. A primeira vaia abriu a Copa das Confederações e abriu as manifestações. Um estádio caríssimo, com festim no camarote VIP, contrastando com escolas e hospitais na miséria, mau transporte coletivo e insegurança pública assustadora. Contra os manifestantes que exerciam o direito constitucional de reunirem-se sem armas, as armas da polícia, com exageros que só fizeram crescer os protestos. Mas a polícia não foi eficaz para conter delinqüentes que promovem saques e desviam as atenções do principal, que são as mensagens do povo, a voz das ruas.
Quase uma semana depois da primeira vaia, a presidente fez um pronunciamento. "Poderemos fazer melhor e mais rápido muita coisa que o Brasil não conseguiu realizar por causa de limitações políticas e econômicas." Ah, foi o Brasil que não conseguiu? Ou foi o governo, que agora diz que pode fazer mais rápido e melhor que o Brasil? Limitações políticas? Como assim? Em 513 deputados federais, o governo tem 425; em 81 senadores, o governo tem 55. Limitações econômicas? Como assim, se construímos tantos estádios? E só neste ano, o povo já pagou 750 bilhões de reais de impostos e contribuições obrigatórias. Mais adiante, se referindo ao vandalismo, ela disse "Não podemos conviver com essa violência que envergonha o país". Como assim? Os governos não têm convivido com 150 assassinatos por dia, todos os dias? Essa violência não conta?
O discurso à Nação serviu para dizer que o governo vai, sim, importar médicos cubanos e que vai, sim, contrariar as ruas e fazer a Copa do Mundo. Quando terminou o pronunciamento na TV, aconteceu na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, uma vaia ainda mais estrondosa que a do estádio. À medida em que ela ia falando, as pessoas gritavam nas janelas, reagindo ao que ouviam. Ao fim, luzes dos apartamentos piscavam enquanto o clamor se tornava uníssono. Está em várias gravações feitas por moradores de lá. A percepção é a de que as autoridades falam num Brasil diferente do real – vai tudo bem naquele Brasil róseo-oficial.
No site do jornal O Globo, foi feita uma pesquisa sobre a motivação de quem sai às ruas. O motivo inicial, preço de passagem de ônibus, fica em 1%. A maioria, 54% diz que é por uma insatisfação generalizada contra tudo que está errado. Se os eleitos em geral tivessem humildade, se perguntariam sobre o que deixaram de fazer ou o que fizeram errado. Com tanto dinheiro recolhido dos impostos de todos, por que falta para prestar bons serviços públicos. Além de olharmos para os estádios, temos o superfaturamento geral, as propinas, o empreguismo e, sobretudo, a crença de que o Brasil é um gigante adormecido. Se quisesse dar uma resposta às ruas, a presidente começaria extinguindo metade dos ministérios e dos cargos em comissão. E proporia, na Constituição, mais uma característica do serviço público: que todos os seus integrantes fossem obrigados a usar serviços públicos de educação, saúde e transporte. A mudança iria começar.