AGRIGENTO, Itália – Aqui neste lugar onde floresceu a Magna Grécia, à sombra do intocado Templo da Concórdia, de onde 26 séculos nos contemplam, o siciliano que distribui folhetos de um ristorante, puxa conversa e entramos na política. Abaixo de nós, as praias onde, em julho de 1943, Patton e Montgomery começaram a invasão aliada da Europa nazi-fascista Nesse cenário histórico, ele quer me convencer que a Itália vive uma ditadura disfarçada de democracia. Ele está desempregado e sobrevive distribuindo panfletos de propaganda e está com raiva por ter que pagar impostos mesmo assim. Argumentei que poderia ser pior; que ele poderia estar no Brasil e ter que pagar impostos para não ter bons serviços públicos.
Para ele, é normal ter um sistema de saúde que funciona e escolas que igualam a todos. Na Sicília da máfia, ele não acreditaria se eu lhe contasse que quatro dias de assassinatos no Brasil equivalem a um ano inteiro de homicídios na Itália. Do local onde conversávamos, dava para ver um viaduto de quatro ou cinco quilômetros construído para evitar que a estrada tenha que descer ao vale e subir de novo. Por toda a parte onde tenho dirigido aqui na Sicília, as estradas são assim. Ou se furam as montanhas, com túneis, ou se atravessam vales pelo alto de extensos viadutos – a estrada vai sempre num plano e o carro anda de quinta a sexta marcha. O siciliano nem nota isso, porque começou a ser feito há 70 anos, em tempos da ditadura de Mussolini.
Aliás, do ditador é uma frase histórica: Governare l’Italia non è dificile; è inutile. Por isso, o país vai tocando sua vida, independente de Berlusconi ou do jovem Matteo Renzi estar no governo. Certa vez, um colega do jornal La Repubblica me disse que a Itália pode ficar meses sem chefe de governo, desde que não perca seus grandes empresários, da Fiat, da Pirelli, da Parmalat, da petroleira ENI e o turismo – a principal fonte de renda do país. Um país que anda sozinho e recebe os serviços públicos como algo normal da vida, uma obrigação óbvia do estado, que tem impostos para isso.
Conto para ele que no Brasil pagamos impostos mas não temos estradas que se assemelhem às italianas e que no Brasil o estado é muito pesado, consome o nosso dinheiro e não nos presta bons serviços. Que o estado é poderoso, e a burocracia que é imposta a quem trabalha e produz atrapalha a produção e o trabalho. Que os escândalos frequentes são péssimo exemplo à juventude e contribuem para a decadência moral do país. O siciliano fica me ouvindo, incrédulo. Deve entender agora porque, afinal, o governo brasileiro deu abrigo ao italiano Cesare Battisti, condenado por homicídios em todas as instâncias da Justiça italiana. Só não vai entender o que chamamos, aí no Brasil, de democracia.