Quando eu cobria Roma, em 1992, a Itália fazia dois meses que estava sem chefe-de-governo. Perguntei a um colega do jornal La Repubblica como o país sobrevivia sem primeiro-ministro. Ele me respondeu que a ausência não faz a menor falta. O lamentável para a Itália seria quando Giovanni Agnelli morresse. O grande chefão da Fiat, na Itália, tinha mais importância que o chefe-de-governo. Pensei nisso quando, pela manhã cedinho de segunda-feira, recebi a notícia da morte de Antônio Ermírio de Moraes, o homem da Votorantim, empresa presente em 20 países com cimento, aço, alumínio, energia, celulose, agroindústria e banco. O Brasil fica menor sem ele.
Depois da notícia, a rádio publicava frases dele, como a de que “o dinheiro não é importante; o importante é o que a gente tem na cabeça”. Trabalhava das 7 da manhã às 10 da noite e não tirava férias. Fazia plantão sábados e domingos. Avesso à ostentação do tipo Eike Batista, como todo grande homem, Antônio Ermírio era simples, humilde. Dirigia o próprio carro velho, usava ternos usados do filho, apagava a luz ao sair do quarto, andava a pé – e tinha uma fortuna de quase 30 bilhões de reais. Era um filantropo discreto, salvando mosteiros, escolas, hospitais sem alardear. Morreu com 86 anos, vitimado por Alzheimer.
Em 1986, sonhou em mudar a política e se candidatou ao governo de São Paulo. Anunciou que em seu governo médico teria que bater ponto, professor teria que dar aula, funcionário público teria que ter produtividade e atender bem o povo, empresário teria que vender com nota fiscal. Tal como administrava suas empresas. O resultado foi a derrota para Orestes Quércia. O eleitor do maior colégio eleitoral do país não o quis. Pesquisa da Transparência Brasil mostra que quatro em dez candidatos a governador, hoje, têm registros na Justiça ou no Tribunal de Contas. Em 165 candidatos a governos estaduais, 63 respondem a 327 processos. E mais: 46 deles já sofreram condenação, quatro foram cassados e dois presos no exercício do mandato. Um homem como Antônio Ermírio foi retirado dessa malta pelos eleitores intimidados por uma nova ordem.
Um ex-prefeito de João Pessoa, também chamado Antônio, contou-me que ao assumir descobrira que a Prefeitura admitia sem concurso público, como manda a Constituição. E instituiu o óbvio: cumprir a Constituição, exigindo concurso. Vereadores se insurgiram contra o prefeito. Afinal, as empregadas domésticas dos vereadores estavam na folha-de-pagamento da Câmara, como “assessoras” de suas excelências. É para mudar esse tipo de país atrasado e sem ética nem vergonha, é que precisaria de homens como Antônio Ermírio; para fazer um Brasil S.A., parecido com a Votorantim. Mas ele morreu. E o Brasil morrerá também se não se livrar dos malfeitores.