O Ministério Público do Trabalho (MPT-MT), Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público Estadual ajuizaram uma ação civil pública para proibir que produtores rurais do Estado do Mato Grosso utilizem qualquer agrotóxico que contenha o princípio ativo glifosato. A ação procura resguardar a saúde da coletividade de trabalhadores rurais expostos aos agrotóxicos, com efeitos que se desdobram para resguardar, também, o meio ambiente natural e a saúde coletiva.
A ação foi ajuizada sob a modalidade coletiva passiva, em que entidades representativas – Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato) e da Associação Mato-Grossense do Algodão (Ampa) – são colocadas no polo passivo para defender os interesses da coletividade demandada, que no caso é composta pelos produtores rurais de Mato Grosso.
Considerando a larga utilização do glifosato na agricultura do estado, os procuradores e promotores pedem que seja concedido prazo de 12 meses para o cumprimento da determinação. A atuação é defendida pelas instituições como medida de precaução e se baseia em farto material científico, como estudos desenvolvidos pela International Agency for Research on Câncer (IARC), ligada à Organização Mundial de Saúde (OMS), segundo a qual o produto é provável carcinogênico (causador de câncer).
Eles salientam que o uso indiscriminado de agrotóxicos traz impactos graves e negativos para a saúde humana e para o meio ambiente. Nos EUA a Monsanto/Bayer já foi condenada três vezes por pessoas que tiveram câncer provocado pelo glifosato. Na maior das condenações, indenização chegou a U$ 2 bilhões. Há ainda mais de 11 mil processos semelhantes tramitando na justiça americana.
Dados retirados do ‘Dossiê Abrasco: Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde’, publicado em 2015, mostram que, dos 50 agrotóxicos mais utilizados nas lavouras de nosso país, 22 são proibidos na União Europeia. Em 2017, o governo francês anunciou a proibição do uso do glifosato em seu território a partir de 2022.
“Uma decisão favorável nesse momento é essencial para, ao menos, diminuir os efeitos negativos à saúde humana causados pelo referido princípio ativo, evitando-se a exposição prolongada que gera graves doenças crônicas. A Justiça tem uma decisão a tomar. Acolher o pedido dos Ministérios Públicos para ao menos mitigar e neutralizar parcialmente o aparecimento de doenças crônicas como o câncer, ou se contentar a, no futuro, proferir várias condenações em virtude de danos à saúde já materializados”, ressaltam as autoridades. “É necessário que vários seres humanos adoeçam e morram ‘comprovadamente’ em razão do glifosato até que venha a sua proibição?”, acrescentam.
Ainda que observadas todas as normas de segurança, como, por exemplo, fornecimento de capacitação, atenção à receita e às indicações do rótulo e bula, fornecimento de EPI, vestimentas adequadas ao risco e sua higienização, estudos mostram que não seria possível garantir a saúde dos trabalhadores rurais. Pode-se até garantir a não ocorrência de intoxicações agudas dos empregados, que se manifestam através de um conjunto de sinais e sintomas e às vezes se apresentam de forma súbita, mas não o desenvolvimento de doenças crônicas e outros malefícios.
Além disso, a utilização desses produtos em um sistema aberto (meio ambiente) impossibilita qualquer medida efetiva de controle. Não há como enclausurar essas fontes de contaminação e proteger água, solo, ar e os ecossistemas. “De forma difusa e indeterminada, os consumidores e os trabalhadores são expostos a esses venenos, que, de modo geral, estão presentes na alimentação da população e no ambiente de trabalho do agricultor”.
O herbicida se popularizou no produto da Monsanto chamado Roundup, também conhecido no Brasil como “mata mato”. Após a expiração da patente, passou a fazer parte de vários produtos disponíveis no mercado. “Não há como os produtores rurais assegurarem seu uso seguro, de modo que a única forma de tutelar, de forma real e efetiva, a saúde da coletividade dos trabalhadores rurais é mediante a proibição de sua utilização”, explicam na ação os MPs.
Na ação é apontada a importância do princípio da precaução. Por esse princípio, diante do risco de danos graves e irreversíveis, não se pode deixar de adotar medidas visando prevenir a degradação do meio ambiente do trabalho. No caso, mesmo com a ausência de certeza científica absoluta, a exemplo do ‘provável’ carcinogênico citado pela OMS, há inúmeros estudos que mostrando os prejuízos causados pelos agrotóxicos ao meio ambiente e à saúde humana.
“Os princípios da precaução e prevenção têm sentido de previdência, de antecipação a danos ao meio ambiente, em qualquer de suas formas (natural, cultural, artificial e do trabalho). Tais princípios sugerem cuidados antecipados, cautela para que uma atitude ou ação não venha resultar em efeitos indesejáveis e prejudiciais a outrem. Mesmo na incerteza do risco, mas diante da irreversibilidade dos prejuízos eventuais ao ser humano, deve-se adotar medidas preventivas, pois o aspecto humano prevalece em face do econômico. A sociedade não pode suportar o ônus da dúvida e de possível agressão decorrente da atividade do agente. Este deve suportar os riscos e ônus de sua própria atividade”.
A informação é da assessoria do MPF.