Quem diria. Uma geração sobre forte influência dos embalos do sertanejo universitário, do funk e do axé music (sem preconceito) se rende ao charme e a irreverência do samba. Há alguns anos, quando tentava arranhar alguns acordes no cavaquinho e no violão em rodas de amigos, me sentia frustrado. Cartola, Chico, Vinícius, Tom, Paulinho da Viola e tantos outros soavam indiferentes aos ouvidos. Pensava que ou eu era retrógrado demais, ou deveria ter nascido na época errada.
Mas o tempo provou que nem um e nem outro. Tudo era uma questão de oportunidade. Infelizmente, a rádio e a televisão destinam nenhum ou pouco espaço para o samba, o choro, a bossa nova, criando um abismo entre as gerações.
Em Cuiabá, uma família com sobrenome “Chorinho” vem fazendo história, mudando essa (antiga) realidade. Marinho e Fátima comandam uma das casas mais badaladas da competitiva noite cuiabana, o Chorinho. Casa de bambas que carrega praticamente sozinha a missão de perpetuar o samba genuinamente brasileiro na Capital mato-grossense.
São quase 20 anos de casa, mas a última década é sem dúvida a mais importante de todas, na minha ótica. Nos últimos anos, o Chorinho conseguiu colocar à mesma mesa antigos e novos chorões, interrompendo um caminho que parecia sem volta. Hoje é fato! O samba renasce em Cuiabá e o seu coração é o Chorinho.
De lá, das rodas dos velhos chorões, surgiram novos chorões, que hoje formam diferentes bandas, como a Orquestra de Buteco, Samba de Moage, Conversa de Botequim, Triêro e muitos outros que representam a nova geração do samba cuiabano.
Para alguns a invasão jovem no ambiente antes unicamente dos saudosistas de outros carnavais não passa de modismo. Já escutei isso de um ou dois amigos. Para um ou outro caso, pode até ser, mas para a massa que vai pontualmente ao Chorinho não.
Digo isso com a propriedade de um bom entendedor, mas que não se satisfaz com meia palavra. Não sou frequentandor antigo do Chorinho, mas ultimamente assíduo e observador.
Diferente de quando mais novo fico hoje extasiado de felicidade ao olhar em volta e ver todos, dessa e de outroas gerações, cantando com muita emoção “O mundo é um moinho”, clássico de Cartola, sem errar uma só frase. Quando vejo que Chico e Vinícius estão na ponta da língua, que Tom e Paulinho já não soam tão indiferentes. Isso não é modismo, é amor. É sinal de que o samba não morreu.
Agora, 19 anos depois, o Chorinho vai mudar de lugar. A lei e alguns vizinhos, nem sempre entendem a poesia que vem da casa dos bambas. Sai do Jardim Tropical para ir levar sua boemia para próximo do Choppão, na Rua Estevão de Mendonça.
Se por um lado a imposição do destino causa tristeza, por outro, o futuro motiva, pois o samba não pode parar. Que a magia no dedilhar do sete cordas de Marinho e o sorriso e postura de Fátima no comando do novo lugar sejam ingredientes para o sucesso. Do samba, da família Marinho, e nosso, o público.
Para encerrar essa ladainha, faço meu os versos de Chico Buarque, que disse na musica Paratodos, tudo o que tinha que ser dito:
“Vi cidades, vi dinheiro. Bandoleiros, vi hospícios. Moças feito passarinho, avoando de edifícios. Fume Ari, cheire Vinícius. Beba Nelson Cavaquinho. Para um coração mesquinho. Contra a solidão agreste. Luiz Gonzaga é tiro certo. Pixinguinha é inconteste. Tome Noel, Cartola, Orestes, Caetano e João Gilberto. Viva Erasmo, Ben, Roberto. Gil e Hermeto, palmas para todos os instrumentistas. Salve Edu, Bituca, Nara, Gal, Bethania, Rita, Clara, Evoé, jovens à vista”.
E viva a democracia do choro!
Raoni Ricci é jornalista em Cuiabá