Há mais de 20 anos, enquanto Promotor de Justiça em Colíder, no norte do Estado de Mato Grosso, cataloguei as primeiras informações da minha carreira sobre a “pistolagem” de aluguel. Naqueles anos tínhamos muitos crimes “de mando” no nortão. Atuei em diversos processos relacionados a esses delitos e, em quase todos, surpreendia-me a miserabilidade e a incultura dos executores que emprestavam sua mão de obra ao poderio econômico local. Não raro, via-me indagando sobre como e por que alguém se habilitava a vender tão desprezível serviço.
Fiz essa introdução para falar da criminalidade em Mato Grossos especialmente as execuções ocorridas ultimamente. Parece que estamos tornando àqueles tristes anos, desta feita, não mais limitados a determinadas regiões.
Tenho lido as notícias sobre esses crimes e, não só os eventos em si, mas também as notas que os cercam, deixam-me indignado com o disparate que as situações ensejam. Estão matando em todos os lugares e pelos motivos mais banais… Morrem empresário, jornalista, prefeitos, trabalhador, dona de casa, guardador de carro (flanelinha).
Fiquei intrigado com as teses divulgadas na imprensa sobre os prováveis motivos do assassinato. Fala-se que o jornalista estava no interior de seu veículo estacionado à frente da casa da namorada e alguém chega de bicicleta…. sim, de bicicleta (um poeta diria, assoviando…). Na sequência, o homicida ordena que a mulher se recolha. Essa, uma vez dentro da casa, ouviu os estampidos. Executar alguém e fugir de bicicleta é, como se diz em verso de canção “prá acabar…”
A conclusão lógica é que não havia nas proximidades do local do crime – Jardim Fortaleza em Cuiabá, nenhuma viatura policial. Se tivesse, os agentes da lei poderiam diligenciar e, quem sabe, até conseguir prender o criminoso, afinal estava de bicicleta… No entanto, as perguntas que ninguém quer responder são as seguintes: será que as rondas policiais no Jardim Fortaleza são constantes? Existem? Pelas redondezas é possível encontrar algum aparato policial?
Em Nova Canaã, próximo a Colíder, o Prefeito deixava uma festa pública e ao aproximar do seu carro, foi alvejado e morto. E a polícia onde estava? A Polícia não tem a preocupação da presença nos locais de concentração pública? Antes disso, outro Prefeito – de Novo Santo Antônio – no interior de sua casa, recebeu um criminoso que o matou e deixou, sem qualquer importunação, o local do crime.
O flanelinha foi morto em praça central por ondem transitam centenas de pessoas para frequentar bares e restaurantes e… ninguém por perto para fazer o nobre serviço de segurança pública. Aliás, a própria existência desses guardadores de carros em espaços públicos já é uma situação irregular que comodamente aceitamos. Ainda que todos esses crimes sejam esclarecidos, restará a indagação se poderiam ser evitados, caso tivéssemos a efetiva presença de policiais nas ruas. O traço comum a esses crimes e tantos outros, homicídios ou não, é que foram praticados, em regra, na ausência do Estado que paulatinamente afasta-se das ruas. Projetos como polícia comunitária que deveria evoluir para rondas a pé, de bicicletas, a cavalo, motos, dentre outros, retrocedem ao modelo tradicional estratificado na composição homens/viaturas, que disputam espaços com o insuportável número de veículos das grandes cidades.
E no interior, onde os deslocamentos para zonas rurais, rodovias e distritos são parte da rotina, ainda se ouve, via de regra, as velhas justificativas de veículos quebrados, falta de combustíveis e pneus estourados. Há informação, não confirmada, de que alguns municípios contam com quatro policiais para lhes garantir segurança. É possível isso? Desde sempre é evidente a concepção popular que não se faz policiamento preventivo sem a polícia nas ruas. Segurança Pública é polícia na rua sim, ainda que alguns entendidos na matéria defendam o contrário. Os resultados vistos pela sociedade demonstram isso.
A segurança pública ocupa junto com a Saúde e Educação, as pastas governamentais que exigem a maior concentração de recursos para custeio; substanciais recursos para investimentos; requerem programas de inovação, de qualificação, de aprimoramento técnico; e de envolvimento comunitário. Precisamos, “com urgência”, colocar esses temas na ordem do dia, inclusive, com readequação de recursos destinados a áreas menos prioritárias, até mesmo no que tange ao custeio da máquina pública.
Para isso, é preciso atitude diversa da tradicional escusa da falta de recursos quando se sabe que há muito falta investimento nos setores, proporcionais ao crescimento econômico de Mato Grosso e, em alguns casos, chega-se ao absurdo de inexistir rotina de reposição da força de trabalho na área, em face de aposentadorias e falecimentos de pessoal. A escassez de recursos exige reavaliação permanente das atividades. Feito isso, ainda há que se introduzir uma gestão voltada para resultados. Resultados importantes para a sociedade e não para a satisfação de interesses de grupos.
O Ministério Público do Estado de Mato Grosso tem promovido várias ações pontuais pugnando medidas judiciais para aumento de efetivo policiais; reformas de cadeias; construção de entidade para abrigar adolescente infrator; construção de hospitais; creches, etc. Essas ações mitigadoras deveriam impactar positivamente na gestão da política pública para correção dos desvios existentes e não apenas na solução da questão posta em debate.
Ministério Público e Judiciário, Defensoria Pública e Advogados em geral não podem se tornar eternos condutores de políticas públicas, em face da desatenção administrativa, embora tenham que fazê-lo sempre que constatada ofensa aos direitos do cidadão. Parece que é chegada a hora de, despiciendo da imposição de obrigações de fazer, responsabilizar pessoas pelas reiteradas omissões que ocorrem cotidianamente nesses setores.
Vale frisar que não há como obter resultados diversos adotando as mesmas tradicionais. No que com cerne ao trabalho propriamente dito, urge que se retome importante projeto instaurado há pouco mais de dez anos quando se optou pela modernização do estado brasileiro. Aludido projeto foi abandonado ou retirado das prioridades das instituições.
Para a segurança pública devemos encontrar métodos que culminem maior resolutividade e empreender uma política permanente de formação de pessoal e quem sabe, fixar metas, valorizando as equipes com resultados satisfatórios à sociedade. Essa mudança, precisa se operar, também, nos demais atores que cuidam da matéria. E o primeiro passo é a inserção da temática em todas as áreas governamentais. Na atualidade não se concebe que essa importante tarefa seja incumbência apenas de uma pasta.
Edmilson da Costa Pereira – procurador de Justiça em Mato Grosso