– Onde você vai, japonês?
– Ali – diz, caminhando.
– Ali, onde, Auro?
– Ali… Vamos lá, depois você me paga um almoço!
Com um sorriso maroto, Auro sequer se dava ao trabalho de olhar para trás. Sabia que eu, junto com Marcão, Tinho, Coutinho, Pacheco e alguns outros mais estaríamos atrás dele. Era óbvio! Poderia estar naquele momento se desenhando a principal matéria política do dia. Mais que uma marcação sobre as fontes de notícia, mais que correr atrás de secretários, deputados, governador, prefeito, etc, Auro era a figura a ser acompanhada bem de perto.
Dono de uma capacidade inacreditável de obter informações soltas e relacioná-las a fatos bombásticos, Auro sempre tinha a melhor notícia do ponto de vista jornalístico a ser estampada nos jornais que trabalhava. Foram poucos, em verdade, mas por uma razão clara: seu passe era valioso.
E lá íamos nós atrás do japonês. Ele pintava e bordava com todos. Às vezes, cedia alguma coisa. Outras vezes, apenas se divertia – o que era irritante.
Por mais que o acompanhasse pelos labirintos palacianos, atentos como caçadores de onça, no dia seguinte, ao abrir o jornal, lá tinha algo que não sabíamos. "Esse japonês, f…. d….p… Onde ele conseguiu isso?" – era o que eu me perguntava sempre e, pela convivência, com certeza, toda aquela ruma de jornalistas que cobria Câmara, Assembleia e Governo desferiam impropérios parecidos.
Nessa história, invariavelmente, a gente colocava a "faca no pescoço" de Auro . Queríamos saber onde ele havia conseguido aquela informação. E o "cabeça" se divertia mais ainda: "Um vizinho me falou".
Sim, o vizinho tinha falado mesmo. Deu a dica e, de uma forma clássica, algo que nenhuma faculdade de jornalismo consegue ensinar, ele explorava aquilo como ninguém. Auro era cirúrgico, preciso, como um predador, sem falhar na hora do bote. Técnica infalível, uma escola que nunca consegui freqüentar.
– É, japonês, você me deve essa! – eu dizia.
A melhor definição sobre o jornalismo puro, prático, pragmático e confiável de Auro Ida pode ser medido por uma constatação e também uma observação. Na constatação, o fato de que não me lembro ter visto Auro conversando com algum advogado para defendê-lo em ação judicial proposta por alguém atingido duramente por suas revelações. Como disse, ele era preciso. A outra, de Marcos Coutinho: "Esse japonês pode ficar um mês sem trabalhar que ainda vem e dá um furo na gente". Essa eu incorporei todas as vezes que me referia a Auro Ida.
Esta sexta-feira, o dia amanheceu mais frio no meu coração. Barba por fazer, 11 da manhã, e eu ainda sequer escovei os dentes. Aquele telefonema no começo da madrugada de Silvana Ribas, repórter de A Gazeta, ainda ecoa: "Não gosto de dar esse tipo de notícia, mas sei que vocês são muitos amigos. O Auro morreu… Mataram ele…" e por ai foi. Aquele frio na espinha, barriga, pressão arterial, tudo se alterou.
Sim., éramos amigos. Vou mudar o tempo: somos amigos. Fomos vizinhos por anos. Vi Dayane crescer; vi Tati nascer. Auro viu Nando nascer e crescer: "Sua mãe colocou Fernando no seu nome para homenagear Fernando Collor" – dizia, provocante, sempre, incansavelmente. Auro e eu íamos quase todos os finais de semana ao supermercado juntos. Dividíamos um velho Fusca. Viajamos de férias juntos, com nossas respectivas famílias. Fomos sócios na implantação do velho "MidiaNews" – o primeiro com notícias online em Mato Grosso, junto com Bebeto, George Almeida e Ronaldo Pacheco.
Auro Ida foi morto pela brutalidade da vida, pela banalização da violência, pela crença humana na impunidade. A nossa gloriosa Polícia há de trazer uma resposta. Nenhuma delas vai trazê-lo de volta. Mas queremos dar uma satisfação ao nosso coração de ver o responsável "pagando" pela ira irresponsável de tirar da terra uma alma maravilhosa, um pai dedicado, um amigo de todas as horas, verdadeiro, sincero e sei lá mais o quê – não me chegam os adjetivos para ilustrá-lo.
Não consigo chorar. Sei que não vou vê-lo do jeito que muitos o fazem nesse tipo de despedida. Você, para mim, é aquele cara, da última vez que nos encontramos, estava sentado em um dos degraus da escada de acesso do Palácio Paiaguás, com dezenas de jornalistas em sua volta, querendo saber algo diferente do que eles poderiam ter, enquanto lá dentro o governador e ministro discursavam.
Agora você vai… E deixa um vazio em todos que o acompanharam por todos esses anos. E como herança, nos deixou pegadas de seriedade, amizade e respeito.
Você me deve mais essa, japonês!
Edilson Almeida é jornalista e diretor do site 24Horas News.