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A (in)segurança social da nova lei das cautelares

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Nesta semana entrou em vigor uma nova lei no Brasil, que trouxe várias modificações no Código de Processo Penal, com especial relevo no que tange as prisões, muitas já são as controvérsias, principalmente com referência a sensação de impunidade que poderá vir ocorrer com a "não-prisão" de muitos acusados.

Sem a pretensão de esgotar o tema, algumas premissas precisam ser esclarecidas, sob pena de sermos avassalados por um discurso grotesco e meramente oportunista.
Inicialmente, constatamos empiricamente a incapacidade congênita da prisão de exercer um efeito qualquer sobre a criminalidade, basta analisar o aumento do índice da criminalidade, há muito tempo se diz que é a certeza da punição o caminho a ser observado.

Ultimamente, já não se discute mais a chamada ressocialização do condenado. Muito pelo contrário, o que a sociedade almeja, influenciada pelo movimento midiático, é que aqueles que praticaram uma infração penal, fiquem o maior tempo possível afastados do convívio em sociedade.

Sociedade cada vez mais de resultado (quanto maior for o número de prisões melhor será a sociedade) e menos de valores.

O que devemos ter em mente é que o capitalismo exclui (negros, pobres, índios, idosos, detentos, prostitutas, etc) para poder incluir (no sistema penitenciário como regra) de outro modo, segundo a lógica que lhe é própria.

Diante de tudo isso, qual é a resposta oferecida pelo Estado contra as altas taxas de criminalidade experimentadas nos últimos anos? O Estado aumentou seus poderes no âmbito penal e penitenciário, numa tentativa de contenção de condutas potencialmente desestabilizadoras cometidas pelos sujeitos mais prejudicados com a nova ordem.

Nesse sentido, o objetivo de ressocialização da pena, tal qual é proclamado e defendido pelos penalistas, não parece ser mais do que uma falácia, uma mentira na qual queremos acreditar ante a hipótese assustadora da completa perda de legitimidade do sistema prisional, e que mantemos mesmo diante de sinais óbvios da sua negação, como o estado absolutamente calamitoso em que se encontram os estabelecimentos prisionais, o índice de reincidência que, no Brasil ultrapassa os 70%, e a violência que prolifera no sistema prisional, da qual participam ativamente as autoridades governamentais.

A racionalidade penal do Estado contemporâneo sujeita-se, agora, à lógica do risco. Ela passa a ser um instrumento para a gestão do risco, de regressão preventiva das populações vistas como portadoras desse risco.

Os potenciais candidatos ao cárcere são identificados nos grupos produtores de risco, com tendências ao desvio e à contrariação da ordem constituída – curiosamente, são aqueles que fazem parte da população excedente, o surplus da força de trabalho, "Eles". São favelados, negros, imigrantes, desempregados. Grupos inteiros de pessoas que deixaram, na prática, de cometer crimes para se tornarem, elas mesmas, crime. Tornaram-se o refugo humano, o lixo produzido pela civilização e que é preciso remover, ocultar, conter, se quisermos manter a ideia de que está tudo bem com o mundo.

É manter a "limpeza" do projeto social, não importa o quanto de "lixo" se acumule, contanto que ele não invada um espaço indevido. Não nos preocupamos mais com o que acontece aos indivíduos nas prisões – parque, sinceramente, pouco importa, contando que "eles" parem de nos incomodar e desapareçam de "nossas" vidas.

As asas com as quais o Estado protegia os indivíduos vão se encolhendo cada vez mais para atingir uma minoria ínfima de inválidos e não-empregáveis.

Nesse panorama, eis que entra em vigor a nova lei processual penal, conhecida como "lei das cautelares".

Temos de aprender a parar de exigir do Direito Penal respostas que ele não pode nos dar. As pessoas clamam por segurança e voltam seus olhares para a polícia, o judiciário e a penitenciária, mas a segurança que essas instituições podem oferecer, mesmo quando trabalhando em condições normais, é mínima, é ilusória, porque mesmo sendo grande, à primeira vista, o número de delitos que por ali passam, é como um grão de areia na praia, comparada com a realidade invisível.

O bem estar de uma comunidade não pode nem deve ter como pilar a repressão, mas sim o respeito o respeito e a igualdade de tratamento entre seus membros. A diferença dos resultados esperados é clara: uma sociedade tolerante aberto e ecumênica ou um arquipélago de opulência e privilégios envolto por um mar de medo, miséria e desprezo pelo outro.

Não podemos esquecer que o nosso Código de Processo Penal pátrio foi editado em outubro de 1941, ainda sob a égide da Constituição Federal de 1934, com a ideologia do Estado Novo, em que os interesses dos cidadãos eram mitigados pelos interesses do Estado.

Com isso a nova lei adapta o Código de Processo Penal à Constituição de 1988, significa fazer a transição do regime autoritário, focado no poder, para o regime democrático que protege os direitos e garantias e traduz um equilíbrio entre o dever de persecução penal e as novas garantias constitucionais.

Uma das inovações mais polêmicas da nova lei é a consideração da prisão cautelar (prisão em flagrante) como sendo a última medida nos crimes de pequena e média potencialidade, mas isso não significa impunidade, porque foram criadas outras medidas cautelares à prisão, tais como: comparecimento período em juízo, proibição de acesso ou frequência a determinados lugares, proibição de manter contato com pessoa determinada, proibição de ausentar-se da Comarca, recolhimento domiciliar no período noturno, suspensão do exercício da função pública, internação provisória, fiança e monitoração eletrônica.

Acerca da prisão, há regras mínimas a serem observadas no Estado Democrático de Direito (nosso Estado), como por exemplo: o acusado não pode ficar preso senão na medida em que se considere necessário para o impedir de escapar-se ou de esconder as provas do crime, o clamor público não pode servir de fundamento para a prisão, a gravidade do crime não pode ser invocado como fundamento da prisão, etc.

A nova lei vem em boa hora, pois vê-se não raras vezes a prisão sendo utilizada para aplacar a indignação da população ou como alarma social causada pelo crime, ou seja, fundamentada na necessidade de satisfazer a ânsia popular de repressão imediata em nome da credibilidade das instituições públicas.

O barulho da turba, a repercussão dos acontecimentos na sociedade, na mídia, não podem servir à execução precoce da pena, os fundamentos para pena de prisão devem ser idôneos e fundamentados, do contrário não haverá um sentimento de insegurança social, mas de vingança social.

Por isso é inimaginável num Estado Democrático e de Direito, que a situação do indivíduo ainda inocente seja pior do que a da pessoa já condenada, é dizer, de proibir que a prisão em flagrante resulte medida mais gravosa que a própria pena a ser imposta na sentença pelo Juiz.

Os efeitos colaterais do remédio (a prisão em flagrante) não pode ser pior que os efeitos da própria doença (pena a ser imposta em eventual condenação futura). Assim a nova lei trouxe homogeneidade, que é a proporcionalidade que deve existir entre o que está sendo dato e o que será concedido.

As disposições legais em vigor estão em sintonia com os entendimentos dos Tribunais Superiores (Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal), com as regras internacionais aderidas pelo Brasil, a Lei de Execução Penal e a Constituição Federal.

Quem pensa em cometer crimes tem os valores sancionados, essa é a lógica do governo das leis e não dos homens. A tendência em curso é que a justiça deveria se transformar em acerto de contas de justiceiros. Pessoas que tem outros padrões de conduta ou de riqueza não podem ser tratados de forma desigual publicamente, humilhados em praças públicas. Não se deve atirar a primeira pedra, pois todos temos telhados de vidro. Quem tiver a infelicidade de ser pecador, que seja punido pelo que fez, mas não como uma pessoa em quem descontemos todas as nossas frustrações. A pena é aquela que esta escrita na lei.

É preciso lutar com frontalidade, com armas legítimas. O caminho pode ser mais difícil, mais pedregoso a curto prazo, mas será mais duradoura a solução. A ética busca aquilo que é bom para o indivíduo e para a sociedade.

Acreditamos na construção futura de sociedade mais justa, mais solidária, mais livre, mais iguais, se acreditarmos que um outro mundo é possível, temos que nos libertar do destrutivo sentimento de vingança, trocando-o pelo perdão, pela compaixão, pela compreensão, abrindo espaço nos conflitos inter-individuais, para estilos compensatórios, assistenciais e conciliadores.

De forma que é preciso que aquilo que é justo seja forte, aquilo que é forte seja justo, uma vez que "a justiça exige, enquanto justiça, o recurso força". A necessidade da força está pois implicada no justo da justiça (Derrida). Por tais razões, se a prisão for necessária ela deve ser Justa, e se a Lei em consonância com os valores constitucionais considera que a prisão é desnecessária, então a Lei é Justa.

Como disse uma vez Albert Einstein, "não se deve ir atrás de objetivos fáceis. É preciso buscar o que só pode ser alcançado por meio dos maiores esforços".

A recente alteração legislativa possibilita a modernização do Código de Processo Penal, mas o estímulo para sua continuidade depende da cooperação entre os Poderes, a qual fortalecerá o estado e consolidará a democracia.

Cabe a Ética decidir qual seja a resposta sobre o que é moralmente correto, ao Direito, sobre o que é racionalmente justo é a Política, sobre o que seja socialmente útil, e assim a política contemporânea julgou ser inútil a prisão em algumas situações, dando primazia a dignidade humana.

Nelson Gonçalves de Souza Junior é Defensor Público do Estado de Mato Grosso, Especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina-PR, Especializando em Direito Constitucional pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado de Mato Grosso e Vice-Presidente da Associação Mato-Grossense de Defensores Públicos.

 

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