Abrem-se as cortinas. Respeitável público, o gran circo tem o prazer de apresentar os excelentíssimos, os digníssimos e espertíssimos, ou seja, os vereadores. Não que eles sejam doppelgangers uns dos outros. Não. Isso não. Mas são bem parecidos. Talvez não fisicamente, mas, mentalmente, bem parecidos. Certa vez escrevi sobre mimetismo. Não aquele mimetismo caracterizado pela capacidade de alguns animais em tomarem cor e formato de plantas e de outros animais, enfim, de se modificar, se transformar, para confundir os seus predadores ou para neutralizar e agarrarem suas presas. Falei, naquele meu texto, do mimetismo mental, onde mentes humanas se confundem. Meu texto estava mais próximo da área da medicina que define o mimetismo como o repetir maquinalmente de gestos e atitudes. E cá estou eu mais uma vez desenvolvendo minhas teorias em cima da edilidade, o que se tornou meu vício. Sou o doppelganger de mim mesmo e o calo (ver um sinônimo) no pé dos vereadores. Quando a situação me exige critico um e defendo outro. Mas quando a situação também me exige defendo todos (o que é mais difícil) ou critico todos (o que é bem mais fácil). Sou o doppelganger dos meus princípios.
Em Alta Floresta, Mato Grosso, a 800 quilômetros da capital Cuiabá, os dez vereadores, mais uma vez, deram exemplo de união quando o que se quer é o bem comum. Situação e oposição em guerra, publicamente declarada, resolveram, por um momento, esquecer as arestas. Deram-se as mãos, deram-se os braços e se deram em abraços (tem um quê parecido com poesia de Chico Buarque nessa frase – mas é minha, só minha, acreditem!) e assinaram o documento para o bem de todos e felicidade geral dos dez. Assinaram o quê? Assinaram um acréscimo de setecentos reais para a verba indenizatória de cada um. Verba indenizatória é aquela verba para suprir gastos extras, ou seja… Deixa pra lá.
Dia desses escrevi em "Alta Floresta e o dia em que cinco vereadores entraram para a história" (clique aqui), sobre o absurdo de cinco vereadores contra a sociedade. Hoje escrevo sobre o absurdo de dez vereadores em benefício deles próprios.
Ué, Carlos Alberto, você nunca fez isso antes! Dirão os ignotos. Já fiz sim. Leiam "Erradas Coisas", artigo escrito em 2007 (clique aqui) sobre os mesmos edis alta florestenses que se uniram para proclamar o absurdo, onde registrei a minha revolta quando vereadores reduziram o salário de funcionários para acrescerem aos seus, para aumentar os seus próprios salários, uma decisão estilo Robin Hood ao contrário. Lembro que "Erradas coisas" me rendeu dividendos. Fui criticado pela edilidade e elogiado por muitos funcionários e pela comunidade como um todo. Elogios ao telefone, em encontros na rua e através de e-mails e manifestações de ódio e ou desprezo levaram-me a escrever uma de minhas mais belas crônicas: "Clarice e Cecília: gestos de indiferença" (clique aqui). Afinal ninguém que tenha um mínimo de bom senso concorda com esse tipo de barbárie cometida por políticos. Ninguém concorda. Ontem, hoje e sempre. Ontem (2007) repudiaram. Hoje estão comentando indignados, enojados, nos quatro cantos de Alta Floresta. Amanhã, certamente, coisas desse quilate continuarão sendo repudiadas. Ao menos por aqueles que, ao contrário de alguns, têm princípios.
Carlos Alberto de Lima é jornalista em Alta Floresta
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