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O burro, o analfabeto e a língua portuguesa

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"Miau, miau, miau, geme o gato no telhado. Uau, uau, uau, uau, responde o cachorro no quintal. Enquanto no piso do chão passa, uma barata. Esbarrando e esparra(a)mando: nojo e medo. Medo que há no sótão, entre ratos e morcegos". Sou eu o autor desses versos. Vendido o peixe, apresento-me: jornalista, escritor e poeta nas horas vagas. Jornalista diplomado na faculdade, antes de o ministro Gilmar Mendes, do TSF, condenar o diploma de jornalista e absolver os escribas do absurdo: aqueles que escrevem sem nenhum critério. E eu concordo. Em nome da liberdade de expressão, que também possam se expressar, através da escrita, todos aqueles, com ou sem diploma. Com ou sem conhecimento!
Sou também, como se isso me acrescentasse alguma coisa (e é claro que acrescenta!), pós-graduado em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira (disciplinas que ministrei por um período). "Chove, chove/ Chuva mansa/ Que na rede/ Ela descansa". Sou poeta por atrevimento.

Burros, analfabetos e a nossa língua portuguesa, uma trilogia perfeita. De onde tirei isso? Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto), quanto não sabia de onde se originara a idéia, atribuía a uma tal tia Zulmira. No meu caso, eu sei. A idéia surgiu onde pouco se resolve, muito se confunde e quase nada se aproveita, ou seja, numa sessão ordinária (e bota ordinária nisso!) da Câmara de Vereadores de Alta Floresta-MT, na última terça-feira, 04 de maio. Um vereador, por ter dito que a oposição era burra, acabou por sofrer críticas de toda espécie (da oposição ofendida). Alguns foram além e retrucaram que melhor seria ser burro que analfabeto.

Burros, analfabetos e a nossa língua portuguesa. Conheço bem os três. A língua portuguesa, dado à minha formação. Com analfabetos convivi de perto, meus pais. A não familiaridade com as letras não foi impedimento para que tivessem toda uma vida de dignidade. Nós, os filhos, continuamos orgulhosos dos pais analfabetos que tivemos. Quanto aos burros, tínhamos para os tombos e para a lida diária em atividades rurais. Embora de mil e uma utilidades, esse animal, depois de domesticado, sempre esteve em obediência instintiva ao homem, espécie animal inteligente e, por isso, visto como superior à espécie animal equina. Essa conclusão levou os gramáticos, anuídos pela Academia Brasileira de Letras, a classificarem burrice e inteligência como antônimos perfeitos, portanto, quem não é inteligente é burro. E surgiram os sinônimos similares para os dois verbetes: Sadio para inteligente e doente para burro. Vejamos: uma mente inteligente é uma mente sadia; uma mente burra é uma mente doente.

Partindo do exposto no parágrafo acima podemos concluir que, quando adjetivados, alguns substantivos ganham novas identidades. A saber, oposição doente e oposição sadia têm como frases sinônimas, oposição burra e oposição inteligente. Portanto, quando se diz, oposição burra não se quer dizer que quem é oposição é burro e sim que fazer oposição, da forma que está sendo feita, não é uma prática inteligente, portanto, pode ser melhorada. Ser feita sim, porque oposição deve ser feita, mas de uma forma inteligente como, outrora, soube fazer o atual presidente Dida Pires.
Quanto à reação, essa sim foi imperdoável. "Melhor sermos burros que analfabetos", disse um. Um e outro e outro reclamaram. Sentiram-se ofendidos, coitados. Teve um que disse: "ele não tem o hábito de ler", como se o hábito de ler somasse inteligência. Saber ler não significa inteligência, porém, o praticar da leitura, obviamente, nos leva a uma melhora do nosso vocabulário. Hoje, é sabido, estamos cheios de analfabetos funcionais, ou seja, sabem ler, porém não sabem interpretar.

Agora, se fossemos interpretar ao pé da letra o bicho ia pegar. Aquele que se esnoba, no uso da tribuna, por "estar fazendo uma faculdade", é um dos que mais cometem erros gramaticais. E eu, embora, e até por ser, adepto da linguística – que abordarei nos dois próximos parágrafos -, não vou perdoá-lo. Por estar fazendo uma faculdade, como ele se esnoba, deveria, no mínimo, ter um pouco mais de humildade e a gramática um pouquinho mais satisfatória. Pensando melhor, assim como o vereador que acusou a forma de se fazer oposição como burra e não de burro quem a faz e, mesmo assim teve a humildade de pedir desculpas, eu vou perdoá-lo sim. Perdoar o vereador que "faz faculdade" e comete tantos absurdos gramaticais. Aliás, os alta florestenses ouvem diariamente um "estamos chegando para iniciarmos", ou "estamos chegando para darmos início".

Enquanto o gramático Pasquale Cipro Neto condena esses erros gramaticais, o linguista Marcos Bagno contrapõe: "O certo e o errado não existem, o que existe são os diferentes falares". Quando o matuto diz que "nóis vai colocá miio no paió", ele está certo. É a forma com que se expressam todos aqueles do meio em que ele vive.
O vereador criticado por chamar a oposição de burra estava, gramatical e linguisticamente, correto, e, mesmo assim, teve a humildade de pedir desculpas. O mesmo não aconteceu com aqueles que o chamaram de analfabeto. Esses não o fizeram. Mas, como eu disse, são analfabetos funcionais. Voltemos à poesia, o principio de quem quer deixar de ser um analfabeto funcional: "Quando dentro/ O pinto bica/ O ovo pica". carlosalbertodelima.blogspot.com – este é meu blog. Visite.

Carlos Alberto de Lima é jornalista em Alta Floresta

 

 

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