Tenho assistido a partida de alguns amigos muito queridos se despedindo da vida. Há duas semanas, estava viajando e soube da partida de Gabriel Muller. Na semana passada, foi o amigo Garcia Neto. Sobre ele, gostaria de falar neste artigo. Foi por seu intermédio que vim para Mato Grosso, no distante ano de 1976. Morava em Brasília e recebi um inesperado convite para vir trabalhar em Mato Grosso na área de jornalismo do governo. Aceitei e vim. Conheci o governador Garcia Neto, na época com 54 anos.
Estabeleceu-se entre nós um imediato e forte vínculo de empatia que nunca mais parou e nem parará, mesmo depois de sua partida. A questão daquele momento em 1976 eram as sombras da divisão do estado que sopravam de Brasília da maneira mais reservada possível para o Norte e conspiratória com o Sul. Garcia Neto era contra. Por uma série de razões, entre elas a de que ele considerava Centro-Oeste e Amazônia como conjunto de uma nova fronteira brasileira que determinaria o futuro do país. Por sua posição, ele sofreria pesadas retaliações da cúpula governante do Governo Federal, à época do presidente Ernesto Geisel. Na realidade, isso cortaria o seu futuro político.
Viajamos aquele enorme Mato Grosso e vimos o nascimento de um futuro que hoje dispensa comentários. Apesar da difícil relação com o Sul, o governador Garcia Neto era justo. Uma obra aqui, uma obra lá. Teve uma relação muito difícil com a imprensa nacional, num momento em que Campo Grande financiava um pesadíssimo lobby pago pelo então Banco Financial, de propriedade das lideranças pecuaristas do Pantanal a fim de criar a impressão de que o estado era ingovernável naquele grande território geográfico.
O resto pertence à História, incluindo as duas derrotas de Garcia Neto ao Senado, que o levariam a se afastar da vida política. A primeira, em 1978, quando disputou com o deputado federal Benedito Canellas, apoiado pelo presidente da República indicado, general João Baptista Figueiredo, que tomaria posse em 1979. Perdeu para o governo federal. A segunda, em 1982, quando perdeu para Roberto Campos, embaixador do Brasil na Inglaterra, que foi uma das opções encontradas pelo regime militar para tentar salvar o governo da enorme crise econômica do petróleo de 1982/3. As duas derrotas vieram de Brasília, e tiveram origem e causa na máquina do governo federal militar da época.
A divisão veio, consolidou-se e muito deveu à administração do “Mato Grosso – Estado Solução”, que era o slogan de Garcia Neto, que tratou o Estado com visão de estadista antenado com o futuro desde então. Depois da derrota de 1982, deixou a política e começou uma luta solitária para mostrar que a divisão de Mato Grosso foi um equívoco da época. Morreu levando esta questão, mas admitindo que apesar de todos os erros que vieram junto com a divisão, ela acabou provando que Mato Grosso é mesmo o Estado-Solução que previra em 1975, quando o governou.
Sua morte deixou um enorme vácuo político na história do estado. Não restaram sucessores herdeiros da política pós-1945, do fim da ditadura Vargas e nem do pós-revolução de 1964. Nos últimos anos conversamos muito a respeito desse novo Mato Grosso que surgiu da divisão, e do seu papel quase profético para a construção desses novos tempos. Tanto, que a sua morte, num feriado, movimentou a imprensa e a sociedade, num inusitado clima de consternação tão pouco comum em Cuiabá, ainda mais em se tratando de um político. Ficou bastante claro que Mato Grosso perdeu o vibrante sergipano que chegou em 1945, e partiu deixando atrás de si uma lenda que a História vai decifrar. De minha parte, perdi um grande amigo e um extraordinário interlocutor.
Onofre Ribeiro é jornalista e secretário-adjunto de Comunicação de Mato Grosso
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