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No Brasil tudo acaba em pizza?

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Os recentes escândalos envolvendo os membros da Câmara de Vereadores da capital mato-grossense têm fomentado discussões de toda ordem e tornou-se tema obrigatório das conversas em todos os lugares seja elevador, padaria, restaurante…

Pessoas de meu convívio, inclusive colegas que não atuam na área criminal, me têm feito indagações sobre a apoteótica decretação da Prisão do vereador Lutero Ponce, ex-presidente da Câmara Municipal de Cuiabá, decorrente de seu suposto envolvimento no desvio de mais de 7 milhões de reais dos cofres públicos, cuja revogação se deu em menos de 24 horas.
O fator que despertou em mim o desejo de discorrer sobre esse assunto delicado, intrigante  e  de natureza muito polêmica, é o compromisso que tenho com o valor social do meu trabalho. Tratarei aqui sobre essa matéria de forma simples, numa linguagem que pretende ser  direta, clara e acessível a todo leitor. 

Fatos como esses incitam dúvidas em qualquer pessoa sobre o papel das personagens da Justiça – Judiciário,  Ministério Público, Polícias e OAB –, que ao acompanhar os recorrentes escândalos seguidos de prisões-relâmpagos no país, tem a impressão de ver confirmado o senso comum tão disseminado no ideário popular de que no Brasil o crime compensa… que tudo acaba em pizza… induzindo a população à inevitável sensação de impunidade.

Pode parecer surreal, mas é um grande equívoco afirmar que no Brasil o crime compensa, são ditos como esses que tornam verdadeira a mentira repetida mil vezes. E duas são as situações que se destacam na sinalização da massificação desse senso comum. A primeira delas é o desvirtuamento das prisões provisórias, especialmente a temporária e preventiva; a outra, afirmar que existem inúmeras espécies recursais de que se vale o advogado para defender seu cliente.   

Pudemos acompanhar nessa última década um fortalecimento das instituições públicas.  Sua maior consequência foi municiar essas instituições com grande poder para combater os atos contrários ao interesse público. Um exemplo são as diversas operações policiais e mais recentemente as do GAECO, deflagradas com ares de cinema holywoodiano e identificadas com as mais complexas e até excêntricas nomenclaturas tais como “Operações Sanguessuga, Curupira, Crespúsculo, Teimoso,Volver …”, sempre acompanhadas de muita publicidade, e, em fração de minutos, aquilo que poderia ser resolvido apenas com o fiel cumprimento da lei, sem alarde, é transformado em espetáculo e os envolvidos em grandes astros, dando início a um perfeito show de pirotecnia. Tão verdadeira é a afirmação que recentemente o Supremo Tribunal Federal, com o propósito de combater excessos, restringiu o uso de algemas e proibiu a divulgação da imagem do momento em que o indivíduo está sendo preso.   

É certo que nós brasileiros já nos habituamos a conviver, o que não significa aceitar, com todas as mazelas, sejam elas de origem política, financeira ou social. O que pesa são as consequências desse amadurecimento a que somos submetidos, pois cada um  processa de forma bem diferente a capacidade de se indignar diante desse emaranhado de coisas. Os escândalos se sucedem e independente das circunstâncias que os envolvem são sempre acompanhados de muita especulação. Pela própria natureza os escândalos geram na cabeça das pessoas muitas dúvidas, que por sua vez provocam as mais diversas indagações, algumas que merecem ser desmistificadas e discutidas até satisfazer a ansiedade que toma conta de todos, como é o caso destas duas: Por que se prende alguém e por que tão logo se solta?  Quais são esses “inúmeros” recursos utilizados pelos advogados que impedem a efetivação da Justiça?

A primeira indagação diz respeito à prisão provisória, também chamada de prisão cautelar ou prisão sem pena, como bem versa MIRABETE, Julio Fabbrini. SP: Atlas,  2001, pp. 384-85, em sua obra Processo Penal, em que o mestre diz tratar-se de “uma medida extremada e de exceção, e, somente deve ser aplicada em situações específicas, em casos especiais onde a segregação provisória, embora um mal, seja indispensável para resguardar os interesses sociais de segurança”.

Dito isso, entende-se que ela só pode ser decretada quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, e a sua decretação pode acontecer tanto na fase policial como na fase judicial, antes do trânsito em julgado da sentença, daí a caracterização de sua provisoriedade. Para melhor elucidar, seguem algumas situações em que a decretação da custódia provisória torna-se indispensável, como por exemplo impedir o desaparecimento do suposto autor do crime que pretenda fugir do distrito da culpa; ou ainda, impedir que o suposto autor desapareça com as provas do crime; e naquelas situações em que há indícios de suborno, aliciamento ou ameaça a testemunhas etc.

O que precisa ficar bem claro é que essas prisões maciçamente divulgadas pela mídia são na sua maioria provisórias, o que quer dizer que o indivíduo, via de regra, ainda não foi regularmente processado e julgado, portanto, não foi absolvido nem tampouco condenado. Consequentemente, a decretação da prisão provisória não pode ser vista como antecipação de uma futura condenação. 

Como visto, a prisão provisória foi criada para atender a situações emergenciais e hoje, de forma desvirtuada, vem sendo usada com finalidade política. A mudança é no mínimo preocupante, pois de instrumento acautelatório passa a dar voz ao clamor social que brada por justiça, pressionando as instituições cada vez mais a fazer uso de medidas ostensivas. E a prisão, neste caso, apresenta-se como resposta rápida e eficiente aos olhos do cidadão. 

Entretanto, como nas leis da física que postulam que toda ação prevê uma reação, tais medidas têm gerado a não menos temida sensação de impunidade. A prisão provisória que nasceu para ser exceção virou regra e o seu desvirtuamento, desencadeado pelas próprias instituições responsáveis pelo combate ao crime, provocou uma falsa idéia de que o cumprimento de pena definitiva foi reduzida a algumas horas, dias ou semanas. Esse é o maior equívoco.  

A outra indagação não é menos equivocada.  Quem não se lembra de pelo menos uma vez ter acompanhado pela mídia que o advogado de alguém entrou com Recurso para este ou aquele fim?  Os noticiários vão além, afirmam existir inúmeros recursos e que estes são os maiores responsáveis pela ineficácia da justiça. Estamos diante do outro fator indicativo da referida sensação de impunidade e que por razões óbvias transformam o advogado em verdadeiro vilão.
Pois bem, afirmar que no Brasil existem inúmeros recursos e atribuir a estes a responsabilidade pela ineficácia da justiça soa tão verdadeiro quanto afirmar que a prisão em flagrante dura apenas 24 horas. Na realidade, são dois equívocos que já se transformaram em lendas urbanas. 

Passamos a vida toda ouvindo certas “verdades” sem nunca refletir ou questionar.  A tendência é que esse estado de coisas permaneça até a hora em que temos que lidar com os conflitos. O estado de flagrante, aqui citado, desde que não haja interrupção da perseguição a quem em tese cometeu o crime, pode durar horas, dias ou meses. Já em relação aos “inúmeros” recursos, é preciso esclarecer que o número de recursos, com exceção dos embargos infringentes, corresponde a cada tipo de decisão judicial, pois o rol é taxativo, não havendo, portanto, possibilidade de ser ampliado. Sem olvidar que a autoridade judiciária, diante de um recurso com fim meramente protelatório, poderá aplicar as sanções da litigância de má-fé. Por isso ser injusto apontar o advogado como ardiloso arquiteto de sinuosos labirintos que travam a Justiça. 
Combater as espécies recursais já existentes, no meu entendimento, significa caminhar na contramão da história de um modelo de estado que se caracteriza por ser constitucional e democrático de Direito, pois são exatamente esses recursos, juntamente com as ações constitucionais – habeas corpus e mandado de segurança –, os instrumentos mais eficazes de que se valem os advogados para garantir a aplicação do melhor Direito.

Como pudemos observar, são os próprios entes públicos os maiores responsáveis pela criação dessa sensação de impunidade. Ante a este lamentável cenário, em que boa parte da população despreza a legitimidade de nossas instituições por não mais confiar nos poderes constituídos, cabe prioritariamente ao Poder Judiciário, como fiel da balança, em seu papel educador disciplinar e coibir os excessos fazendo cumprir nossas leis, para que se possa resgatar a credibilidade de nossas instituições e, sem prejuízo à ordem jurídica, atender aos anseios da sociedade.

O momento não é de pessimismo. Quero crer no resultado útil dessa instabilidade que ora vivenciamos,  que ela sirva de alerta a cada cidadão, em especial a todos nós operadores do Direito, no sentido de entendermos que o problema não está em nossas leis e sim nos sujeitos que as operam.

Sebastião Monteiro é advogado em Cuiabá

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