Conforme estabelece a Constituição Federal no art. 144, caput, os órgãos incumbidos da segurança pública, isto é, da segurança geral, são apenas os ali relacionados, ou seja, a polícia federal, a polícia rodoviária federal, a polícia ferroviária federal, as polícias civis e as polícias militares, além dos corpos de bombeiros militares. A Guarda Municipal (como igualmente a chamada "Força Nacional de Segurança" – Dec. nº 5.289, de 20/11/2004) não faz parte da segurança pública propriamente dita, tanto que não é listada no aludido dispositivo constitucional, mas sim referida em um parágrafo (o 8º), cujo respectivo texto é explícito e conclusivo ao limitar a ação da mesma à proteção dos bens dos municípios e de seus serviços e instalações, e, ainda assim, desde que o seja "conforme dispuser a lei".
Vemos hoje, questionamento do Ministério Público em vários Estados, inclusive Mato Grosso, em relação as atividades de "policia ostensiva" que fazem as Guardas Municipais- abordagem de pessoas, prisões, revistas, etc. Atividades essas, aliás, privativas da Polícia Militar por dispositivo constitucional. Por outro lado, candidatos a cargos públicos, a nível municipal, sempre recorrem a discursos – face ao clamor da população quanto ao clima de insegurança e quase "guerra civil" que vivem muitas populações no Brasil, dizendo que, se eleitos, vão resolver o problema da criminalidade urbana de seus municípios, com a instituição ou expansão- caso exista, da Guarda Municipal. Ora, o problema é complexo e, a rigor, as Guardas Municipais não podem exercer esse papel, pois cuidam do patrimônio- "próprios" municipais, somente.
Diógenes Gasparini- doutrinador do Direito Administrativo, acentua que "…mesmo que pela sua natureza se pudesse entender a prestação dos serviços de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública como de interesse local, esses não seriam do Município por força do que estabelece o § 5º do art. 144 da CF, que de forma clara atribui essas competências à Polícia Militar". Pinto Ferreira, comenta: "Os municípios podem instituir guardas municipais, destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, de acordo com a lei, Os constituintes poderiam ter alargado as forças das guardas municipais, fazendo-as auxiliares da polícia militar e atribuindo-lhes funções repressivas de crime" (in Comentários à Constituição Brasileira, Ed. Saraiva, 1992, Vol. V, pág. 246). Repita-se: poderiam, mas não o fizeram.
Ou seja, os constituintes recusaram várias propostas de instituir alguma forma de polícia municipal. Com isso, os Municípios não ficaram com nenhuma específica responsabilidade pela segurança pública. Segurança pública é dever e competência da União Federal e dos Estados, somente. Tanto é assim, que iniciativas tem sido feitas no Congresso Nacional para dar ás Guardas Municipais o poder de polícia. Um exemplo: o Deputado Maurício Rands apresentou a PEC nº 215/2007, de cuja Justificação vale destacar-se o seguinte trecho: "Coerente com a realidade de 1988, as guardas municipais não foram incluídas como órgãos de segurança pública, cabendo-lhes apenas função de simples proteção de bens patrimoniais do município. Esse modelo mostra-se esgotado e, na prática, o que vemos são muitas guardas municipais exercendo funções que, de direito, elas não tem respaldo constitucional para realizar, mas que acabam sendo por elas executadas em função da falência dos órgãos de segurança pública estadual".
Mas, é viável- politicamente, ter uma polícia municipal? Imaginemos os prefeitos "menos republicanos" (para usar uma expressão da moda), com uma polícia armada e a eles obedientes… O assunto é difícil, complexo e temos assistido nas Conferências de Segurança Pública, um desejo- legítimo, aliás, das Guardas Municipais em ampliar suas ações. Do mesmo modo, os agentes prisionais discutindo a sua configuração em uma "polícia prisional"- nos moldes da PM. A chamada Força de Segurança Nacional é um caso á parte, pois, a rigor, é um grupo policial- subordinado ao Ministro da Justiça e que atua- ou, "intervêm" segundo alguns, nos Estados; com situações de discussão, muitas vezes, de subordinação ou obediência- ao Estado- Comando da PM ou à União. E, como punir as possíveis infrações de seus membros, pois não são policias do Estado, onde estão servindo?. Cremos que esses temas serão objeto de acalorados debates na Conferência Estadual de Segurança e na etapa nacional. Só o tempo e a atuação de forças e interesses nesses eventos, dará uma posição para todos nós. É aguardar e participar do debate, que interessa a todos os brasileiros.
Auremácio Carvalho é advogado e Secretário Executivo do Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos.