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O lado (in)visível da crise na Unemat

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Notícias sobre a UNEMAT dão conta de uma crise que se caracteriza ora como financeira; ora como política ou ainda, como o resultado desses dois elementos. Não há como negar o conteúdo político da crise e, negá-lo seria esconder o fato da política ser intrínseca à condição humana. Apesar disso, a modernidade criou os profissionais da política, de modo que todo e qualquer grupo/pessoa que tente se apropriar dela corre o risco de ser desqualificado sob acusação de ilegitimidade: “tal movimento é político, a greve é política, tal atitude é política”….. Como se todo ato humano, determinado por condições sociais, não fosse em si um ato político. A “democracia” parece reservar a política aos políticos, restando à cidadania um estreito conceito de participação baseada na colaboração gerencial dos governados aos governantes, sempre sob tutela do Estado.  Nada que nos lembre a Democracia inventada pelos gregos, da qual herdamos apenas uma aparente semelhança.

A questão que me parece importante não é escamotear a crise política que preside o momento atual da UNEMAT, mas, identificar a natureza dessa crise e como dela poderão advir desdobramentos importantes para a universidade e seu papel no cenário regional/estadual.
 
Podemos dividir a iniciativa de construção de ensino superior estadual em MT em três fases: A primeira se inicia no movimento de criação de uma instituição de ensino superior em Cáceres, em 1978.  Se considerarmos a expansão do ensino superior a partir dessa origem, quando se cria o IESC – Instituto de Ensino Superior de Cáceres; entre 1978 a 2001 foram criados em média 3 novos cursos por ano! A instituição inicialmente municipal passou a ter caráter estadual no início da década de 90. Durante todo esse período passou por diferentes denominações antes de chegar a ser UNEMAT. Até 1992 todos os cursos eram voltados à formação de professores.

Com a criação da UNEMAT em 1993, se inicia a segunda fase. Nesta fase, a principal característica é a criação de alguns bacharelados, cursos mais técnicos voltados à formação de profissionais para o mercado, não somente para o Estado, como poderia ser caracterizada a fase anterior de formação de professores, principalmente para as redes públicas de ensino.  Dos 11 campi existentes hoje na UNEMAT, apenas dois (Tangará da Serra e Juara) foram criados após 1993, o que significa dizer que a criação da UNEMAT já encontrou mais ou menos definida a geopolítica de distribuição dos campi no Estado.

Paralelamente, os concursos públicos para docentes (1990, 1994, 1998, 2006) trouxeram, inevitavelmente, nova configuração profissional e política no interior da universidade, abrindo caminho para terceira e atual fase dessa história. O concurso de 2006 culmina por definir tal configuração porque atrai um contingente grande de profissionais de várias partes do país e do estado, muitos dos quais mestres e doutores desejosos de desenvolvimento profissional como docentes/pesquisadores que se somam aos que já haviam nos vários campi.

Com o ingresso desses novos profissionais e a intensa qualificação de seus quadros (mestrados e doutorados), a UNEMAT começa a viver um processo que vai, aos poucos, deslocando o centro da disputa de poder. Do ponto de vista interno, a criação de cursos e campi foram tradicionalmente tratados como formas de fortalecimento político de pessoas, grupos e do próprio campus, uma estratégia importante para aumentar o peso político do campus (e de sua direção), nas decisões institucionais. Do ponto de vista externo, não era muito diferente e, a expansão servia (serve) como capital político junto à comunidade, garantindo vantagens eleitorais aos candidatos que levassem um curso superior a seu eleitorado, independentemente dos custos impostos ao desenvolvimento institucional. Esse modelo de disputa de poder apresenta claros sinais de esgotamento e, está no cerne da crise atual da UNEMAT, com todas as conseqüências daí advindas. A estratégia tradicional vai cedendo lugar para uma luta pela apropriação de territórios de conhecimento/do saber dentro da universidade. Para se ter uma idéia do que está se desenhando; em 1994 a UNEMAT contava com 289 professores, destes apenas 03 possuíam o título de mestre, os demais eram todos graduados.

Hoje, a UNEMAT tem aproximadamente 700 professores, destes, metade é de mestres e/ou doutores e outros tantos estão em processo de qualificação.  Muitas dessas pessoas passaram por experiências de pesquisa em outras universidades e, boa parte quer, de fato, uma carreira acadêmica e constituir-se como referência em sua área, obter reconhecimento e poder entre seus pares. É por isso que, apesar da instabilidade institucional, crescem as iniciativas de criação de programas de pós-graduação nascidos de grupos de professores nos departamentos, como crescem também o número de produção científica e de projetos de pesquisa financiados por agências externas. Ainda que sejam resultados pontuais e quase individuais, contribuem para uma nova conjunção de forças que implica exigências institucionais que antes não estavam postas tão claramente.  

Outro elemento importante a compor o quadro atual da UNEMAT é a abertura de cursos mais disputados que, diante da ampliação da procura pelo ensino superior e as poucas oportunidades de acesso às universidades públicas em MT, levou a UNEMAT a ser uma opção para muita gente da capital e de outros estados.  A universidade, cujo discurso de origem era de ser do “interior para o interior” vai se transformando… Os discursos mais bairristas, mais vinculados ao lugar e às elites políticas locais, tornam-se obsoletos ante a tendência de uma universidade que transborda do interior para o Brasil e, embora esses discursos sejam persistentes; ganham mais sentido fora da universidade (nos municípios) que dentro dela. O mito da caverna tende a se reinventar como mito de origem. Além disso, necessário incluir nesse caldo de cultura que constitui a UNEMAT hoje, a estruturação da carreira e os concursos realizados para os técnicos do ensino superior que atuando no campo da gestão, procuram constituir ali um lugar de poder, de realização profissional.

Pois bem, o que ocorre quando esses diferentes agentes internos, cujos interesses passam a exigir respostas institucionais da Universidade (condições de ensino e pesquisa para os professores; qualidade de cursos e política de apoio aos estudantes que vêem suas chances no mercado de trabalho diminuírem em função das suas condições de ensino; técnicos que visam o desenvolvimento e identidade profissional no campo da gestão)? Ocorre que esses interesses passam a conflitar com aqueles que tradicionalmente predominaram na UNEMAT.  A UNEMAT não pode mais ser entendida como mera extensão da luta política de grupos partidários organizados a partir de fora.  Ela ganhou diversidade e densidade internas suficientes para ser Universidade e busca atuar em diversas áreas da Ciência. Assim, para além da aparência, o conflito que está posto é entre o anacronismo de práticas políticas clientelistas que se enraízam de fora para dentro e se tornam incompatíveis com o aumento da qualidade da formação de seus quadros e, as exigências acadêmicas engendradas por grupos internos, ainda que muitas vezes de modo silencioso.

As deliberações do congresso universitário, realizado em fins de 2008, são sintomáticas: Descentralização orçamentária e financeira, fortalecimento dos departamentos e das áreas de conhecimento, organização por grandes áreas de conhecimento tendo em vista diferentes regiões, ampliação da participação e do controle sobre a gestão acadêmica, paridade entre os segmentos, financiamento público das iniciativas de pesquisa, de modo a ampliar a capacidade de planejamento e execução de políticas institucionais de apoio à pesquisa.

Enfim, há um movimento interno, menos visível, que indica a constituição de um campo propriamente acadêmico na UNEMAT.  Uma novidade que pode levar a mudanças na relação entre Governo e Universidade.  Quem sabe possamos estabelecer relações mais respeitosas entre o campo político e este campo acadêmico que aos poucos se constitui e reivindica seu lugar. Isso significa que os agentes da universidade tenderão a participar da política com o capital que lhe é próprio: o conhecimento. Falar do campo acadêmico é falar de um lugar cujos meios de disputa de poder não podem se confundir com aqueles utilizados no campo político (embora em ambos a política esteja presente). Enquanto no primeiro o capital que credencia a disputa é o capital intelectual; o mérito acadêmico, no segundo é, principalmente, o capital político em sintonia com o econômico, numa sociedade onde a democracia se transforma, cada vez mais, em plutocracia (poder da riqueza e do dinheiro) e, portanto,  política e economia se tornam indistinguíveis. 

Esperemos que toda essa efervescência produza sínteses que fortaleçam o campo acadêmico, porque é exatamente isso que fortalecerá a UNEMAT enquanto universidade e, é como universidade que ela poderá dar contribuição ainda maior à região em que vivemos e ao país. Que possamos reinventar nossas relações com o campo político de modo virtuoso para ambos os lados. 

Edna Luzia Almeida Sampaio é professora da UNEMAT, gestora governamental, doutoranda em Ciências Sociais

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