A Administração Pública no Brasil vem trilhando lento processo de aperfeiçoamento, mais visível da metade do século passado para cá. Na administração municipal especificamente e, notadamente nos município de pequeno porte, assim considerados aqueles de até 20.000 habitantes, esse aperfeiçoamento só passou a ser perceptível a partir do final da década de 1980. Até então a intuição improvisada no trato da coisa pública se fazia regra nesses municípios. Administração, enquanto conceito funcional, programático e pragmático, não fazia parte das ações do mando governamental. O beabá da administração, Planejamento, Execução e Controle, conquanto insepulto, era coisa morta. A Lei 4.320 (Regulamento da Contabilidade Pública) de 1964, inaugural da nova era, foi erigida sob a regência do primeiro desses fundamentos – o PLANEJAMENTO. A Constituição Federal de 1988, falou mais alto, colocando de forma impositiva esse preceito.
No diapasão da Jovem Carta de 88, nasce em 1993 a Lei Complementar 8.666 (Estatuto das Licitações e Contratos). A norma que já era boa, melhorou ainda mais com “suas alterações posteriores”.
Por fim, no ano de 2000, a edição da Lei Complementar 101 (Lei da Responsabilidade Fiscal), completou a tríade inteligente, sábia e harmoniosa do disciplinamento da eficiente Administração Pública.
Contextualizando o Mato Grosso, aqui o Tribunal de Contas do Estado se tornou o curador dessa evolução conceitual e histórica. A um só tempo se transformou, em centro de excelência irradiador de técnicas e metodologias cientificamente elaboradas para consecução dos objetivos colimados no ordenamento jurídico. Para além das funções legalmente definidas de instrumento auxiliar do controle externo – confiado basicamente ao Poder Legislativo e ao Ministério Público – aqui o TCE promove a socialização dos saberes e percepções produzidos por uma espécie de usina de conhecimento. A sociedade lucra com isso.
Ganha cada vez mais intensas luzes o foco que o Tribunal passou a direcionar ao Controle Interno, visando preferencialmente as prefeituras. O TCE, de forma cogente, passou a incentivar a implantação de eficientes Unidades de Controle Interno em seus jurisdicionados. O esforço começa a surtir efeito. Já se nota aqui e ali, comportamentos administrativos aderentes ao novo paradigma. E isso é bom.
Mais promissora ainda, de outra parte, a introdução de nova variável na metodologia de auditagem das contas públicas. O julgamento da Gestão. A mensuração dos resultados das políticas públicas, põe em manchete o princípio da EFETIVIDADE.
Não basta a obrigação abstrata de agir, e agir na legalidade. A atividade real, o resultado verdadeiro, a eficácia plena serão os parâmetros referendatórios de cada unidade monetária aplicada.
Agora sim, surge caudalosa esperança na administração pública transformadora. Já não era sem tempo. O próprio Cristo na parábola dos talentos (Livro de Mateus) já cobrava resultados positivos na administração da coisa confiada. Não por acaso sentenciou rigorosamente aquele dos três servos que devolveu o capital do mesmo tamanho que havia recebido, confiscando-lhe os recursos e repassando-os aos que multiplicaram seus quinhões. Imagine se o desidioso tivesse devolvido o patrimônio dilapidado conforme recorrente noticiário dos dias de hoje???
Existe um porém: Eficiência e Legalidade até podem ser alcançadas pela ação fisclizatória do Controle Interno. Entretanto, para alcançar a EFETIVIDADE, impende redirecionar o foco para o PLANEJAMENTO.
Na atualizada definição do celebrado Idalberto Chiavenato “a administração é o processo de planejar (grifamos), organizar, dirigir e controlar (grifamos também)”. (Introdução à Teoria Geral da Administração, Edição Compacta, Terceira Edição, Totalmente Revista e Atualizada, 5ª Tiragem, Editora Campus).
A priorização agressiva do incentivo à implantação do eficiente Controle Interno (necessário, isso não se discute), é nítida inversão da hierarquia das engrenagens da Administração: Planejar, Executar e Controlar. Didaticamente acresce-se, aí, a moderna ferramenta do PDCA – Planejar (grifamos), Fazer, Controlar e Implementar Correções, se necessário – , que sabiamente preserva a lógica orgânica do sistema. Estabelecer escala de valor ao Controle Interno superior ao Planejamento, é como iniciar a construção de um prédio pelo acabamento. A gênese da EFETIVIDADE, enquanto consecução de resultados objetivos, práticos, perceptíveis e prazerosos é o PLANEJAMENTO.
Garimpando na filosofia o capítulo da ontologia que estuda a questão do ser, e o descortinar a compreensão de que o “caminho procura a paisagem, e a lei a justiça”, e que “a árvore, as flores e os frutos são o ser que a semente busca” (Introdução ao Pensar de Arcângelo R. Buzzi), não há que se constranger: a efetividade é o ser do planejamento.
Bem recebida seria a decisão do Tribunal de Contas, precursor do passo seguinte, “estimular”, também, a institucionalização do Planejamento nas prefeituras. A AMM operaria ressonância de considerável magnitude na consecução de tal desiderato. Pertine, aqui, sopesar dois pontos: o princípio da autonomia municipal e os destaques pontuais do controle interno na legislação.
Baseado em estatística genuinamente cabocla, pode-se afirmar, com aceitável margem de erro, que em 90 % dos municípios de pequeno porte, não existe núcleo algum de planejamento. A quase totalidade desses municípios – há honrosas exceções, é claro – preserva mofa e recalcitrante no interior da estrutura administrativa, a veleidade de gestores que acreditam no inconseqüente voluntarismo como irretorquível instrumento de realização de sonhos. E assim, no sonho, se perpetua a esperança.
Mesmo os instrumentos de planejamento impostos pela ordem jurídica, o Plano Plurianual, o PPA, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, a LDO e a Lei Orçamentária Anual, a LOA, passam ao largo da preconizada participação popular. São elaborados por contabilistas quase sempre terceirizados sob o manto de intermináveis consultorias.
Nem os próprios servidores ligados à execução orçamentária, os verdadeiros operadores dos sistemas, são chamados a opinar. Quando muito, para satisfação de itens auditáveis pelo TCE, promovem pseudas audiências públicas, onde são lidos um amontoado de números, valores e nomenclaturas ininteligíveis, para diminutas platéias compostas basicamente de funcionários “convidados” a assistir tais “audiências”. Isso quando não se fabrica uma ata, para emprestar cores de veracidade a um evento que nunca existiu.
Existem prefeituras que ainda conservam as famosas “Secretaria Municipal de Administração, Planejamento e Finanças”, em flagrante desprezo ao princípio da segregação de funções. Quem planeja não compra e quem compra não paga, diz o comando maior. Nessas estruturas arcaicas e anacrônicas, não sobra espaço para a Gestão por Resultado. O preceito da participação popular no tracejamento dos planos e projetos, é jogado na lata do lixo.
Leviana é a crença de administradores de que a população não se interessa pelos instrumentos de planejamento e pelas prestações de contas a que estão compulsoriamente submetidos. A constatação é óbvia. Faz parte das noções mais elementares de marketing. Ninguém compra um produto, serviço ou conceito que não conhece, nunca viu. Mesmo depois de tornar conhecidos os mecanismos de participação e controle social, o administrador tem o dever de despertar no cidadão a necessidade participativa. A imprescindibilidade da atuação popular. Não se diga que o Tribunal de Contas seja omisso nessa questão. Nem que seja sua missão ensinar administração. Não é isso. Produtivo é verificar o material “Planejamento Público Estratégico” disponibilizado no site da instituição.
O que preside esta reflexão é o fato de que o TCE é hoje, inquestionavelmente, a única instância competente e capacitada para promover a disseminação e absorção dessa “nova-velha” dimensão de Administração – o PLANEJAMENTO.
É inexorável. Sem Planejamento, o administrador terá um grau de dificuldade muito maior para interagir harmoniosamente com a realidade e transformá-la em benefício da população.
Não se pretende demonstrar que o Planejamento seja a panacéia da Administração Pública. A atualidade forjou tantas novas percepções. Governança Corporativa: Conteúdo ou Continente da Administração??? Esse tema fica para outra discussão.
Nada anula, contudo, a asserção de que a correta utilização desta ferramenta oportunizaria a implementação de ações e atitudes proativas, e o bom administrador se converteria em efetivo agente de TRANSFORMAÇÃO de Sonhos em Planos, Planos em Projetos e Projetos em Realidade.
A ADMINISTRAÇÃO TRANSFORMADORA haveria de legar sempre um patrimônio social maior e melhor do que o herdado.
Daniel Rodrigues Magalhães – servidor efetivo da Prefeitura Municipal de Nova Ubiratã- MT.