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Quem não tem padrinho morre pagão

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Volto, pela terceira vez, a tratar em meus artigos sobre um dos personagens mato-grossenses mais polêmicos na história contemporânea brasileira. Falo de Filinto Müller. Garimpei uma jóia na Internet, mais precisamente no portal da Fundação Getúlio Vargas, e o impulso jornalístico que ainda predomina no meu modelo mental (oh, sina cruel!) me impeliu a compartilhá-la com meus parcos leitores.

Trata-se de um artigo da pesquisadora da FGV, Luciana Quillet Heymann, no qual ela analisa 4.224 correspondências recebidas por Filinto, na condição de Chefe de Polícia do Estado Novo. Durante os nove anos (1933 a 1942) em que Filinto ocupou a Chefatura, seus arquivos pessoais registram mais de 14 mil documentos. O artigo resume um capítulo da dissertação de mestrado da autora no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, intitulada “As obrigações do poder: relações pessoais e vida pública na correspondência de Filinto Müller”.

A maioria das correspondências analisadas se referia a pedidos de favor, como empregos, promoções ou simplesmente proteção de gente de toda parte do Brasil. A pesquisa constata, num particular, que os pedidos enfatizam o prestígio e o poder de Filinto no Estado Novo.

Por outro, consigna uma prática inerente ao exercício do poder – e das relações sociais e políticas dos que o exerce com – não apenas no período circunscrito ao da atuação de Filinto (Era Vargas), mas existente nos tempos atuais.

Tomei emprestado da própria autora o título deste artigo. Ele se auto-explica. No poder público (e talvez não apenas nesse domínio, vez que um atributo dos candidatos mais competitivos a empregos privados é o que se chama networking), a capacidade das pessoas comuns, dos cidadãos, de acessar suas benesses ou favores está diretamente ligada à sua capacidade de relacionar-se com as pessoas mais influentes, que possam apadrinhá-las, defender seus interesses, protegê-las.

Afora a fama de violento, temido e fascínora, Filinto também é reconhecido como um protetor dos amigos, e dos amigos dos amigos, em especial dos mato-grossenses.

(Neste particular, encontra-se no trabalho da pesquisadora a informação de que Jânio Quadros, o 22º Presidente do Brasil, talvez não tivesse chegado ao posto não fosse um desses favores do Filinto. Luciana Heymann transcreve trecho de carta de um mato-grossense a Filinto, com o seguinte teor: “Venho por esta solicitar o valioso concurso de V.Excia., no sentido de ser nomeado para qualquer cargo público nesta Capital, o acadêmico quartannista de direito, meu filho, Janio da Silva Quadros, afim de facilitar ao mesmo os meios econômicos de que necessita a fim de se manter no curso”. Esta carta é datada de janeiro de 1938, quando Jânio contava 21 anos. Ele veio a tornar-se presidente 23 anos depois, em 1961, quando Müller era senador por Mato Grosso).

De acordo com a pesquisadora, esse clientelismo praticado por Filinto devia-se, em parte, à manutenção do seu poder político, tanto aqui como lá. Mas, em parte, também pelas obrigações do poder – o que absolve Filinto de parte da culpa, afinal, fosse outro em seu lugar tal prática existiria da mesma forma.

Difícil resumir 40 páginas em 40 linhas. Os interessados em conhecer o inteiro teor do trabalho de Luciana Quillet Heymann podem acessar o link http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/273.pdf.

Por hora, basta dizer que o clientelismo é uma característica do Estado Brasileiro, em praticamente todos os governos (dados da autora revelam que nos arquivos de Fernando Henrique, 40% das correspondências recebidas pelo ex-presidente eram de pedidos diversos), aculturada pela sociedade, ou ao contrário, e que vale, na prática de antes e de hoje, o epíteto ‘quem não tem padrinho morre pagão’. Inclusive, diz ela, os que criticam o apadrinhamento o fazem mais por exclusão do que por negação.

Kleber Lima é jornalista e consultor de marketing em Mato Grosso.

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