Encontra-se na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, à espera da designação de um relator, Proposta de Emenda Constitucional (PEC), de autoria da senadora Serys Slhessarenko (PT), que propõe a extinção dos Tribunais de Contas. Por extensão, sugere a eliminação dos cargos de ministro e de conselheiro dos TCs e cria as Auditorias de Contas, subordinadas às Casas Legislativas como órgão técnico de controle externo. E estabelece regras para a transição do modelo de Tribunais para o de Auditorias de Contas.
A iniciativa da senadora é da mais alta relevância, pois busca moralizar uma área estratégica do Serviço Público para a qual, hoje, se voltam olhares de suspeitas. Afinal, esses tribunais, ao longo dos anos, se transformaram em monumentos ao desperdício, além de também se apresentarem aos olhos da opinião pública como uma espécie de abrigo para os sem-voto, aqueles políticos em fim de carreira.
Nem por isso, vale registrar, a proposta da parlamentar mato-grossense tem merecido destaque na mídia em geral. Ao contrário, as editorias políticas e sociais da grande maioria dos veículos dedicam, isto sim, espaços extremamente generosos aos gastos exagerados e à boa-vida que os nobres conselheiros levam, à custa do dinheiro dos contribuintes. Recentemente, por sinal, Serys foi duramente criticada por ocupantes do Tribunal de Contas do Estado, numa demonstração inequívoca de que temem perder a sinecura.
Num editorial recente, o jornal “Folha de S. Paulo” abordou com propriedade a polêmica que marca a existência desses escoadouros de recursos públicos. “Uma das mais dispendiosas e inúteis sinecuras da República é o cargo de conselheiro de tribunal de contas. O emprego é vitalício, dá direito à generosa aposentadoria e oferece salários que estão entre os mais altos do funcionalismo. No âmbito federal, cada um dos nove ministros do Tribunal de Contas da União ganha R$ 23,2 mil mensais, o mesmo que ministros do Superior Tribunal de Justiça. Nos Tribunais de Contas dos Estados, o salário do conselheiro costuma emparelhar com o de desembargador”, diz.
O jornal assinalou que o trabalho nos TCs é reduzido, até porque relatórios e pareceres são elaborados por técnicos, contratados por concurso. “(…) Praticamente tudo o que ministros e conselheiros fazem é rejeitá-los ou aprová-los acompanhados de recomendações anódinas, tarefa, aliás, supérflua, uma vez que essa etapa precisa ser repetida no Congresso Nacional ou na respectiva Assembléia Legislativa, órgãos que têm a palavra final”, completa. Noutras palavras: os conselheiros ganham (e muito) sem trabalhar.
Não poderia ser deixada de lado a constatação de que, diante de tantas vantagens e benefícios, não causa nenhuma surpresa – mas, provoca revolta – o fato de que tais cargos, “preenchidos por indicações dos Executivos e dos Legislativos, tenham se tornado abrigo de correligionários com prestígio entre seus padrinhos políticos, mas não entre os eleitores”. Um levantamento indica que, da maioria dos conselheiros de TCEs, pouquíssimos têm perfil técnico. O restante divide-se entre ex-deputados estaduais e federais, ex-prefeitos, ex-secretários de Estado, ex-vereadores e outros “ex”.
“(…) É preciso pôr um fim a essas casas de misericórdia para políticos sem voto. Há várias propostas de reforma dos tribunais de contas tramitando no Congresso, mas o ideal seria transformá-los em órgãos puramente técnicos de auditoria, enxutos, e dar cabo dos cargos de ministro e conselheiro. Cabe, afinal, aos tribunais de contas combaterem o desperdício e o mau uso do dinheiro público – não fomentá-los”, conclui a “Folha”, em seu editorial.
Em São Paulo, a Associação Juízes para a Democracia tem-se posicionado a favor da extinção dos Tribunais de Contas, por entender que são estruturas ultrapassadas, dispendiosas, cujas atividades podem ser exercidas com mais independência e menos custo para os cofres públicos pelo próprio Legislativo, com o apoio de órgãos técnicos internos.
Aqui em Mato Grosso, como a própria mídia registra, a disputa por vagas de conselheiro no TCE equivale a uma eleição que coloca em lados opostos donos de partidos, líderes empresariais e até chefes de Poderes – um deles é o governador do Estado, que sempre tem a primazia de indicar o maior número possível de desocupados – digo, apaniguados. Em torno desse órgão, teceram uma teia de interesses difusos, que vão da politicagem à busca por meras sinecuras. Uma vez que se trata de um cargo vitalício, a função se transforma num, digamos assim, porto seguro para o político que, em fim de carreira e prestes a cair no ostracismo, sai desesperado em busca de uma gorda aposentadoria.
Nesse processo, valem o poder político e as conveniências partidárias – quando nada, caprichos pessoais. Mandam-se às favas os requisitos imprescindíveis para o cidadão ocupar a função, como idoneidade e reputação ilibada. No caso específico do TCE-MT, há situações em que conselheiros “colecionam” processos criminais – a grande maioria, por suposta malversação de verba pública e até ligações com o crime organizado – e, no entanto, adquirem o direito e o poder de julgar a aplicação de recursos por parte de centenas de administradores públicos.
Curiosamente, a maior parte da Imprensa, aqui em Cuiabá, se mantém distante da discussão de uma questão tão séria como essa que envolve os TCs. Há quem ache que seja por pura omissão. Mas, no fundo, suspeito que considerável parcela da mídia local tem o rabo preso, recebe taxa de zelo para fazer de conta que nada disso é com ela. Ou, no duro, não tem coragem e nem tampouco moral para denunciar e/ou condenar certas imoralidades que ocorrem nos subterrâneos do Poder.
Antonio de Souza é jornalista em Cuiabá.
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