A volta ao debate do Estado paralelo, ou melhor, exclusivo de certas regiões do Rio de Janeiro por conta do impedimento que o tráfico e as milícias têm imposto ao acesso dos candidatos às eleições municipais durante suas peregrinações em garimpagem de votos é, como quase tudo no Brasil, mais do mesmo, o retorno à abordagem da doença crônica da ausência do Estado onde não lhe convém estar porque há sempre outras prioridades, e como se sabe, governar é estabelecer prioridades. Quais e para quem são outros quinhentos.
O Rio de Janeiro, talvez por ser a cidade-vitrine do Brasil, é sempre a bola da vez quando o tema se torna novamente candente. No entanto, a geografia da cidade, que facilita o esconderijo de traficantes e milicianos, não explica a raiz do problema, já que a doença se tem espalhado pelo restante do Estado, em cidades como Cabo Frio, de relevo quase todo plano.
E não há uma vez em que, nessas crises, não se avente a intervenção do Exército, que nunca ocorre, salvo quando para favorecer candidatos amigos do presidente, como o senador Marcelo Crivella. As sugestões de envio de tropas federais ou da Força Nacional de Segurança são invariável e enfaticamente apoiadas pelo governador Marcelo Cabral, que reclama de barriga cheia. Segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública o Rio de Janeiro dispunha, em 2005, de um policial militar para 422,44 habitantes, e um policial civil para 1434,62 habitantes. Os números de São Paulo e Minas, respectivamente, são: PM/ hab. 481 (2003); Civis/hab. 1.139,11 (2006); MG: PM/hab.486,72 (2005) e Civis/hab. 1.908,06 (2006).
Quanto menor o número, maior a quantidade de policiais por habitante, portanto, melhor deveriam ser as condições de segurança pública. Daí se conclui que, entre estes três estados, o Rio é o mais bem aquinhoado em número de policiais e, no entanto, continua patinando na questão da segurança.
Cabe aqui uma pergunta interessante: se as tais milícias, em boa parte compostas de policiais e bombeiros (que também são policiais), conseguiram expulsar traficantes de algumas comunidades, por que é que o verdadeiro poder público, que emprega e comanda (?) esses mesmos homens, não consegue emular a façanha?
São Paulo, com menos policiais proporcionalmente ao número de habitantes, tem melhorado a segurança da cidade, embora não se meta com o PCC, muitíssimo mais perigoso e poderoso que os traficantes e milicianos cariocas e fluminenses. Outra diferença, em São Paulo, é que o risco de um político deparar com bandidos armados de metralhadoras, como aconteceu com Fernando Gabeira no Rio, é literalmente nulo. Daí, a tranqüila latência do PCC.
Descriminar as drogas, o verdadeiro golpe de morte no poder do tráfico, nem passa pela cabeça de nossos parlamentares.
Qual seria, na opinião do leitor, a razão desta infindável letargia dos governos no combate ao crime organizado? Há muitas: incompetência, corrupção, desinteresse pelos menos favorecidos. No caso do Rio, cabe lembrar seu ex-governador Anthony Garotinho foi secretário da Segurança no governo de Rosinha Mateus, sua mulher, e foi acusado pela Polícia federal de “chefe de quadrilha” armada. Neste insólito caso, o poder público assumiu um duplo papel: era também o paralelo.
Tudo explica a caótica situação, menos falta de recursos, já que os governos vêm batendo recordes sucessivos de arrecadação. Além do mais, os municípios fluminenses são os que mais, e cada vez mais, recebem royalties do petróleo.
Embora a segurança pública não figure entre as atribuições municipais, a saúde e a educação fazem parte delas. E vá o leitor conferir a situação da população carente em Campos dos Goytacazes, cidade fluminense que recebeu R$ 848 milhões (24% de tudo o que é distribuído aos municípios) de royalties em 2006. Do total destinado aos Estados, 86% vão para as mãos do Governo do Rio de Janeiro.
São Paulo, que também tem suas milícias, teve um coronel da PM assassinado por um dos seus integrantes, que também é PM. E um tenente-coronel, ameaçado, pediu transferência para uma cidade do interior.
Essas organizações criminosas, com menos recursos humanos e financeiros, fazem muito mais que os governos. Uma questão de competência, certamente.
Luiz Leitão é articulista
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