Um problema antigo do Direito foi o de acompanhar os destinos da sociedade. O Estado enquanto uma emanação de poder supra-societário subsiste como um organismo vivo e a imposição de suas regras não podem ir de contra a cultura de seus súditos, por completo. Não restam dúvidas que a imposição de regras possa diferir dos reclamos da sociedade, mas há necessidade em determinados momentos de tangenciar a verdadeira natureza de determinado povo. Como a cultura é um fenômeno dinâmico e não estático, novos valores podem ser incorporados à sociedade de forma lenta e gradual, tais como podemos exemplificar o respeito à natureza e a preocupação com as gerações vindouras. Os direitos e garantias individuais são atitudes de preservação do indivíduo contra as ingerências da sociedade e mais detidamente do Estado. Nesse particular o indivíduo exerce suas faculdades e potencialidades sem malferir preceitos de ordem pública.
A doutrina liberalizante deposita confiança sobre uma eventual responsabilização do indivíduo pelos excessos praticados. Atualmente, o Estado, em sua forma diminuta, apenas interfere na esfera individual naquilo que for essencial à condução de seus negócios jurídicos relevantes. O homem, no estado anterior de amoralidade (indiferença à moral e aos costumes), orientou-se para cultivar regras, tabus e costumes segundo a tradição do grande-pai, o totem. O poder estatal, antes ilimitado, passou a observar algumas limitações e prescrições legais. Surgem, então, os embriões das modernas democracias, a alternância no poder, a chegada de minorias nos destinos da sociedade. Hoje, no Brasil, Sob o espírito de uma aplicação da lei sem distinção quanto ao gênero e origem, preclara o caput do art. 5º da Constituição Federal que:
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” Com base nesse histórico, falo da Campanha Nacional “A Polícia me parou. E, agora?”, lançada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República em conjunto com a União Européia e Fórum Nacional de Ouvidores de Polícia, lançada em Cuiabá, semana passada. O objetivo da campanha é mostrar, a ambos os protagonistas- policial e cidadão, que há direitos e deveres para os dois lados. A abordagem policial é legal- é padrão, por isso, feita dentro de normas e rotinas que o policial recebe nos seus treinamentos profissionais. Portanto, não é algo que se faz aleatoriamente, de acordo com o interesse pessoal do policial ou seu “julgamento” do momento.
Como servidor publico, seu limite é lei; sua discricionaridade é dada pelos limites da lei e dos regulamentos. Cabe ao cidadão, a ser abordado, receber tratamento que respeite sua cidadania e integridade. “ Encosta no muro, vagabundo!!” tenho certeza que esse padrão não consta nem é ensinado nas academias ou nas instruções dos oficiais. O folheto orienta como se comportar, mas também, o que o cidadão deve esperar do contato com o policial: quem é; porque está abordando. O Brasil assinou tratado internacional, sob os auspícios da ONU, em 1990, que trata do tratamento policial ao preso ou detido. Nesta semana, em Genebra, perante a Comissão de Direitos Humanos da ONU, o Brasil reconheceu que há abusos policiais e mostrou o que está fazendo para resolver o assunto.
Cabe as autoridades do Sistema de Segurança Pública, atentar para esse fato: a impunidade, a tolerância com os abusos, o corporativismo, somente resultam em descrédito para as próprias instituições policiais. Daí, um excelente projeto, como o Policia Comunitária, que, de Mato Grosso já é conhecido e admirado na Europa, Estados Unidos e Japão, perde qualquer sentido para o cidadão agredido, violado, e que assiste o agente público ficar impune e ainda se vangloriar do que faz. “ A policia me parou. E, agora?”- dignidade e respeito para os dois lados.
Auremácio Carvalho é Advogado, Sociólogo e Ouvidor de Polícia de Mato Grosso.