Nesta semana, a Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT voltou a ser notícia em alguns veículos de comunicação. Alunos de diversos municípios, com apoio de professores e técnicos, armam barracas e acampam em frente ao prédio da Reitoria em Cáceres. Eles reivindicam melhores condições de ensino, transparência na gestão e política de apoio aos estudantes.
No geral, mereceu curtas menções em notas de pé de página do caderno Cidades de um ou outro jornal. Nada do apelo jornalístico mais intenso. Modestas notas, curtas referências para um problema que passa quase despercebido pela sociedade mato-grossense: a peleja de uma universidade estadual.
No fluxo intenso de produção de fatos e notícias, num mundo que se move à velocidade nauseante, não é fácil perceber as questões que perenizam, agonizam sem solução, sem os holofotes da mídia. A velha discussão sobre a Universidade, seu papel na produção e elevação da cultura, parece algo anacrônico, desinteressante aos ávidos olhos e ouvidos em busca de notícias tempestivas, fáceis, descartáveis. A sociedade mato-grossense segue ao ritmo de um turbilhão de acontecimentos que, muitas vezes, não permitem uma reflexão mais profunda sobre a silenciosa subtração que se processa: nega-se a ela, produtora de grãos e consumidora de tecnologia, o direito de produzir conhecimento, formar com qualidade seus cidadãos. Nega-se o direito à Universidade Estadual.
A UNEMAT, única universidade estadual, desde sua fundação em 1993 tem sido palco das mais intestinas disputas políticas. A abertura de novos cursos, novos campi, apesar de significar a democratização do ensino superior; tem sido objeto de barganha entre líderes políticos de toda natureza, dentro e fora da universidade. Difícil encontrar um candidato ao executivo, por exemplo, que não tivesse no seu discurso ou plataforma de governo, a ampliação da “cobertura” da universidade em municípios onde ela ainda não tinha presença. Para o Legislativo, a história não é diferente. Levar um curso superior ao seu eleitorado se tornou um feito político de proporções nada desprezíveis e, transformou a administração da universidade em gerente de um negócio politicamente lucrativo. Os custos orçamentários e financeiros desta verdadeira odisséia, não foram devidamente calculados e, quando a fatura é apresentada aos sucessivos governos e ao parlamento, a UNEMAT é vista como o filho perdulário de um Estado austero. O filho pródigo não é bem vindo. E a aliança tácita, antes feita nos palanques; sofre revés.
No final dos anos 90, a universidade conquistou a vinculação de 4,2% do ICMS para seu financiamento. Ao longo do período de 2002 a 2005, isso significou mais que o triplo dos recursos para a Universidade. Mas, desde que foi implantada em 1993, a média de criação de cursos é de quase 05 novos cursos por ano. Há exceções episódicas de períodos curtos em que não foram criados cursos ou campi.
É preciso considerar que jamais houve uma situação em que o financiamento público da universidade tenha permitido condições adequadas para o seu funcionamento. Lembro-me do que ficou conhecido Brasil a fora como “Movimento das Barracas”, em 1996. Aquele momento mereceu a presença e o apoio do saudoso mestre Paulo Freire, em Cáceres. A figura lendária do educador maior deste país veio conhecer a universidade que se fazia em barracas de palha, num protesto radical de professores, estudantes e técnicos contra a indignidade das condições de ensino e pesquisa. E tantos outros episódios desta luta poderia aqui relembrar.
Hoje, a comunidade acadêmica continua a se rebelar, se nega a aceitar a condição de subalternidade no campo educacional, científico e cultural. Deseja de fato uma universidade, se nega a emudecer diante daquilo que tem sido o simulacro do ideal de universidade: Democrática, Universal, do mundo, para mundo e transcendendo o mundo. Também o governo, as elites políticas deste estado devem se negar a continuar ignorando a Universidade, a tratá-la, muitas vezes, como um mal irremediável…. Mato Grosso pode e deve ser muito mais que um estado agrícola. O nível de complexidade a que chegamos, os problemas ambientais que enfrentamos, a diversidade étnica que compõe o mosaico cultural desta região, o acelerado crescimento econômico, tudo isso impõem a ampliação de nossos horizontes, a necessidade de tomarmos como tarefa a compreensão desta realidade, criando oportunidades de soluções futuras. Mato Grosso não pode, em termos de universidade, se comportar como uma sociedade primitiva, coletora de frutos silvestres, onde a produção do conhecimento seja tão exótica quanto “desnecessária”.
Um dos pontos de reivindicação da comunidade acadêmica da UNEMAT é a realização do Congresso Universitário, talvez este se constitua num bom momento para se elaborar um mínimo de consenso sobre a Universidade que queremos em Mato Grosso e aí, quem sabe, possa fazer com que os interesses sejam colocados e debatidos no espaço público e que os atores assumam suas responsabilidades frente ao desafio de construção desta universidade.
Abraçar a causa de ampliar o espaço público para discutir um projeto para a universidade estadual, sem suprimir divergências, me parece uma boa notícia para o presente e para o futuro.
Edna Luzia Almeida Sampaio é professora da UNEMAT, Gestora Governamental, Mestre em Ciência Política, Doutoranda em Ciências Sociais pela PUC/SP.