O que é melhor: comer ovo todo dia ou comer a galinha num feriado? Se você tem várias galinhas e uma granja auto-sustentável, você pode se dar ao luxo de comer algumas quando necessitar. Se você tiver apenas uma galinha (e um galo) é melhor você comer apenas o ovo. Caso contrário, você morrerá de fome. Essa comparação, que Pedrinho, Ricarte e eu usamos na programação da Rádio Celeste, em meados da década de 1980, quando Sinop passava por sérias crises, serve bem ao que vem ocorrendo com o setor madeireiro desde junho de 2005, quando foi desencadeada a Operação Curupira.
O poder público está matando o setor. Está matando sua galinha. Daqui a pouco, não teremos nem a galinha e tampouco seus ovos para alimentar nossos filhos, netos e bisnetos. Servidores do Ibama, da Sema, do Ministério Público, do Judiciário, da Polícia Civil e da Polícia Federal não estão tendo o bom senso de investigar com todo o rigor, apontar os acusados e processá-los com a garantia maior prevista no inciso LIV do artigo 5º da Constituição: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”
Funciona da seguinte maneira. Ibama e Sema descobrem evidências de irregularidades. Apuram fatos e juntam provas. Em vez de ofertar a via administrativa, prevista na Lei 9.605/98 (artigo 70, parágrafo 4º), com as garantias também estabelecidas na Constituição (artigo 5º, LV), chamam logo a polícia e o Ministério Público. E os casos deságuam no Judiciário, com mandados de prisão, busca e apreensão, seqüestro de bens e interdições de empresas. Não há nenhuma ilegalidade nisso. Mas a questão é se é preciso tudo isso. É realmente necessário prender um empresário para tomar seu depoimento? É realmente necessário fazer empresários desfilarem algemados, para serem liberados logo depois de prestarem depoimentos? Será que algum empresário se recusaria a comparecer ao Ministério Público ou à polícia para prestar esclarecimentos? É realmente necessário manter empresário preso? É realmente necessário lacrar empresas?
O meio ambiente é um bem de todos, indisponível. Deve ser amplamente protegido. Deve se sobrepor a vários outros direitos. Em alguns casos, pode se sobrepor até mesmo ao direito à liberdade. Mas não pode, jamais, se sobrepor ao direito à vida e à dignidade da pessoa humana. Lacrar empresas é causar desemprego, é causar desarmonia social, é colocar em risco a dignidade de trabalhadores.
Vejo que o problema não se resolve expondo pessoas à execração pública. Estive na sede da Promotoria de Justiça de Sinop para prestar auxílio a alguns acusados na Operação Guilhotina. Presenciei a humilhação de presos andando em filas, algemados uns nos outros, da rua até o interior do prédio. Lá dentro, a pedido dos advogados, foram retiradas as algemas. Nenhum deles fugiu. Nenhum deles fugiria. Não seriam loucos de fugir. Não são bandidos. Podem ter cometido irregularidades. Mas irregularidades administrativas em face da legislação ambiental, passíveis de serem resolvidas mediante processos administrativos. E estes, terminados, enviados, aí sim, à Justiça para apuração de eventuais crimes.
O poder público tem hoje os mais variados meios para garantir a harmonia entre o meio ambiente e a vida humana. Além do aparelho Guardião, para gravar conversas telefônicas, o poder público deveria ir além. Deveria dotar seus organismos de equipamentos e pessoal preparado para prevenir os possíveis danos ambientais e obrigar os infratores a corrigir os danos causados. Algemas não se prestam a essa finalidade. Assim fosse, presidiários deveriam todos permanecerem algemados. Algema é para bandido que pode fugir ou ameaçar a polícia na hora da prisão. E bandido não gera emprego. Nunca será capaz de gerar. Bandido come a sua galinha e até a galinha dos outros. Não tem inteligência para preservar aquela que, se viva, é capaz de gerar alimento todo dia.
Preservemos, pois, nossas galinhas. Afinal, ensopado de empresário nunca fez e nunca fará bem a ninguém. Muito pelo contrário. Acabe com a esperança dos empresários e você correrá o risco de, entre tantas outras facilidades possibilitadas por eles, ter que produzir sua própria comida, suas próprias roupas e até mesmo seu próprio papel higiênico. Ghandi tecia suas próprias roupas, produzia seu próprio sal e pregava a resistência pacífica. Imagino que tenha sido também muito criativo na sua higiene intima. Com milhares de pessoas, marchou 320 quilômetros até o mar, para protestar contra os impostos britânicos. Com isso, colocou a Inglaterra a seus pés e libertou a Índia. Nunca prendeu ninguém ou disparou um único tiro. Será que empresários de Sinop e região, e seus empregados, terão que fazer uma longa marcha para serem respeitados?
Leonildo Severo da Silva é advogado em Sinop.
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