O Brasil foi presidido por um comunista por dois dias, esta semana. Aldo Rebelo, terceiro na linha de sucessão do presidente Lula, já tinha atingido outro feito histórico para os comunistas do país, ao se eleger presidente da Câmara dos Deputados, no ápice da Crise do Mensalão, ano passado.
Não é a primeira vez que um comunista chega à presidência no Brasil. Em 1935, José Praxedes, um sapateiro, chega ao controle do Estado, na Intentona Comunista, quando se tomou o Estado, no Rio Grande do Norte, por quatro dias.
Na época, a intentona estava marcada pela influência anarcossindicalista, que está na base do movimento de esquerda no Brasil, absolutamente romantizada pela revolução Soviética. A Coluna Prestes já havia tentado feito idêntico, sem lograr sucesso. As condições objetivas para a revolução não estavam dadas. Mas havia a opressão de um momento importante da transição do feudalismo ao capitalismo no país.
Agora, no entanto, é diferente. Não houve sangue nem mortes. As armas de agora foram a habilidade política e a força da reputação de um quadro dos mais preparados da Nação.
Talvez em termos históricos, todavia, o comunista alagoano Aldo Rebelo seja mais simbólico que o comunista sapateiro José Praxedes. Porque o movimento comunista, e de resto, de esquerda, do país hoje vive uma circunstância absolutamente diferente daquela.
Não temos mais a novidade da revolução soviética, tampouco o romance da revolução cubana, e nem o farol albanês a nos guiar. A ordem estabelecida é o neoliberalismo em escala global, e a reaglutinação da esquerda na periferia do mundo, como podemos testemunhar mais de perto aqui na América do Sul.
Lula, no Brasil; Hugo Chaves, na Venezuela; e Evo Morales, na Bolívia, para ficar no Cone Sul, chegaram ao poder pela via democrática, pacífica, pelo voto, em que pese alguns sobressaltos institucionais, sobretudo na Venezuela.
É neste contexto que Aldo Rebelo chega a presidente da Câmara dos Deputados e agora Presidente da República, ainda que em exercício (ficará mais algumas horas no cargo novamente no final do mês, ao que tudo indica).
Decerto esses fatos desafiam a capacidade de leitura conjuntural da esquerda, e de elaboração de estratégias e programas para o futuro. A discussão sobre revolução armada, por exemplo, está cerne dessas reflexões. Continua atual do ponto de vista estratégico, devendo ser abandonada somente na conjuntura atual? Ou não serve mais de referência histórica, uma meta a ser atingida?
Os comunistas não estariam preparados para entrar de vez no jogo da democracia formal, disputando cargos executivos, que resistiu a ocupar por décadas a fio? Não estaria na hora de construir o partido de massas, calcado numa forte política de alianças, visando acúmulo de forças para se transformar numa alternativa real de poder pela via democrática? Afinal, que forças (e que nomes) a esquerda, em especial os comunistas, poderiam oferecer para esse projeto de poder daqui a quatro anos, na sucessão do presidente Lula? Haveria uma contramarcha histórica ao término da Era Lula (sim, Lula com certeza tem significação histórica suficiente para ser considerado um tempo historicamente definidor no Brasil)? Ou a sociedade testemunhará que de fato houve uma aliança subterrânea entre PT e PSDB para enterrar o Alckmin e garantir a eleição de Serra ou Aécio em 2010?
Essas são apenas uma nano-parte das infinitas questões que devem estar pululando na cabeça da esquerda brasileira (e se é importante para a esquerda, também o é para a direita, o centro, etc) nesse momento atual da vida nacional. Por mais que muitos pensem que Aldo apenas pôde tomar café em xícara de cristal nesses dois dias.
Kleber Lima é jornalista em Cuiabá
[email protected].