Sou conterrâneo e contemporâneo de Dante de Oliveira. Pouco o via na adolescência. Ele estudava no Rio e eu em Brasília. Vim a conhecê-lo mesmo quando fui apresentado a ele pelo dr. Ulysses. Fiz coberturas de muitas viagens do dr. Ulysses a Mato Grosso, sempre na companhia de Dante.
Quando ele se elegeu deputado federal, no primeiro dia da legislatura de 85, Dante entrou no restaurante do Anexo IV e veio até a minha mesa para pedir a assinatura do meu colega Flamarion Morssi à sua emenda das diretas. Ele confundiu o “Flama” com algum deputado.
— Quem é esse louco? — pertuntou-me Flamarion.
— E Dante de Oliveira, deputado novo de Cuiabá — respondi, constrangido.
— Só podia ser de Cuiabá — brincou Flama.
— Cuiabá, não. O Dante é invenção do dr. Ulysses.
Dante era louco, no bom sentido. Era um idealista. Ninguém acreditou no início na sua emenda. Muito agitado, otimista, era acima de tudo um sujeito de bem com a vida.
Todo mundo que morre vira santo? Não. Mas acho que em respeito à sua memória e aos serviços prestados ao país e a Mato Grosso não é o momento de se falar nisso. Só posso dizer que o “mosquito elétrico” — era assim que o dr. Ulysses o chamava — perdeu-se na política, mas não perdeu o idealismo.
A morte de uma pessoa com a idade praticamente igual à minha me choca. E ainda mais nas circunstâncias em que ela ocorreu: ele entrou andando no hospital e poucas horas depois estava morto.
Meus contatos mais recentes com o Dante eram sempre para trocar informações sobre as nossas doenças. Certa vez, acordei com ele e o dr. Ulysses na beira de minha cama no hospital. O Dante e eu tínhamos as mesmas doenças. E nessas horas a gente fica apavorado. Abandonamos o cigarro, o doce que mata os diabéticos e o sal que envenena os hipertensos e até a medicação para os depressivos. No dia seguinte, a gente volta com tudo de novo.
A morte nos choca e nesses momentos nos tornamos mais humildes, mais reflexivos e generosos. Afinal de conta, nestas horas, a gente sente a fragilidade da vida.
De que adiantam a disputa, a inveja, o desejar mal, as brigas, se a gente é tão vulnerável?
Todos os telefonemas que estou recebendo são de pessoas da minha idade, chocadas, assustadas. A maioria delas pede preu me tratar, preu me cuidar. Certo dia, o dr. Dráuzio me disse uma coisa que mexeu muito comigo, pois é exatamente o que penso. Disse-me ele:
— A gente pensa: eu não vou morrer porque não posso morrer. Por existirem pessoas que dependem da gente, a gente acha que por isso não somos vulneráveis.
Eu acho que não posso morrer porque minha mãe já enterrou dois filhos e o marido e Deus não pode ser tão ingrato com ela, fazendo ela me perder. Penso: só vou morrer depois dela, ou melhor, só posso morrer depois dela. E aí penso numa imortalidade com prazo de validade.
Hoje tomei um chá, no fim da tarde, com uma das pessoas mais maravilhosas que já conheci em toda a minha vida. E aí pensei: viver é conviver com pessoas assim. Esse é o presente da vida. Essa é a vida. Por isso acho que não posso morrer. Não quero morrer.
Descanse em paz, Dante. Que Deus dê força para Thelma, minha amiga pessoal e uma pessoa de coração muito grande, para que ela continue a jornada.
Jorge Bastos Moreno/ blog/ O Globo