Mato Grosso enfrenta atualmente uma grande crise dentro do sistema de transporte escolar da rede pública. A lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, foi alterada pela lei nº 10.709, de 31 de julho de 2003, que incumbiu aos estados, aos municípios e ao distrito federal a obrigação de assumir o transporte escolar de suas respectivas redes de ensino público.
Na prática, o que ocorre é uma inversão de valores, na qual o Estado e a União não assumem suas responsabilidades devidamente. Isso representa mais um ônus para os municípios, a exemplo do que já ocorre nos setores de saúde e segurança. Por se tratar de um Estado que tem sua economia predominantemente baseada na agropecuária, Mato Grosso ainda concentra grande parcela da população na zona rural. Conseqüentemente, os custos para a realização dessa ação social são extremamente elevados, tornando-se insustentáveis para os órgãos executores.
Os repasses federais têm sido insignificantes, diante de uma demanda sempre crescente das escolas de Mato Grosso. Dos R$ 10,8 milhões investidos no transporte escolar pelo governo estadual, no exercício financeiro de 2004, o governo federal repassou apenas R$ 1,2 milhões, pelo Programa Nacional do Transporte Escolar (PNATE). Ou seja, menos de 10%. É bom lembrar que a parte transferida da União aos municípios também foi insuficiente, gerando, do mesmo modo, dificuldades para o cumprimento das novas obrigações previstas. Um detalhe desta realidade é que as transferências federais foram feitas no apagar das luzes de 2004, precisamente nos dias 29 e 30 de dezembro.
Diante da grave crise do setor do agronegócio, que vem ocasionando um significativo decréscimo no recolhimento de recursos, os municípios não terão condições de arcar com as despesas do transporte escolar. E se o Estado e a União não assumirem esse fardo, a situação tende a se tornar insuportável para os gestores públicos municipais.
A realidade de muitas cidades já é preocupante, uma vez que grande parte delas não tem como bancar sua parcela nesse processo. Em Sinop, município localizado no médio norte de Mato Grosso, o prejuízo com o transporte escolar já é de R$ 3 milhões nos últimos três anos. Em outras regiões, a situação é semelhante. O Governo do Estado, certamente, será obrigado a redimensionar os gastos em função da aguda crise que se aproxima. E não apenas isso, vai ter que assumir efetivamente a sua parte no transporte escolar. Não adianta ficar colhendo números, avaliando custos, elaborando pesquisas, enquanto os municípios acumulam a tarefa de transportar alunos das redes estadual e municipal. Mostrar que se preocupa com o problema é justamente trazer a solução prática e não teórica.
A União precisa discutir melhor o assunto para considerar, de um lado, a retração do desenvolvimento produtivo de algumas regiões (que fatalmente reflete nas arrecadações dos cofres públicos), e de outro, os crescentes custos de serviços e combustíveis, que incidem diretamente sobre o transporte escolar. Em muitas cidades matogrossenses, o valor transferido para esse segmento foi menor do que o montante destinado à confecção das apostilas e material usado na coleta de dados sobre o transporte escolar. Além disso, a lei imposta pelo governo federal não considerou outra questão particular a alguns estados como Mato Grosso: a grande extensão territorial. Existem prefeituras buscando alunos que moram a mais de 200 quilômetros da escola, obrigando-os a ficarem de cinco a seis horas por dia dentro dos ônibus.
O que fazer? Como evitar um colapso no sistema? Mudar o arcabouço jurídico que respalda e obriga o transporte escolar? Esse problema precisa ser resolvido em caráter emergencial.
Incentivar o debate em todos os níveis e cobrar ações mais efetivas por parte dos governos federal e estadual é importante. Não podemos mais aceitar as condições impostas pela União, que não consideram as especificidades locais. Nesse sentido, a Secretaria de Educação, em parceria com a Associação Matogrossense dos Municípios (AMM) e o Ministério Público Estadual, discute a normatização da citada lei, com o objetivo de cumpri-la, todavia, sem inviabilizar as finanças públicas. Um Grupo de Trabalho foi formado para analisar os números do transporte escolar rural. Um dos objetivos é estabelecer critérios, tais como fixar limite máximo de quilômetros rodados e de tempo que o aluno deve permanecer no ônibus. Para cobrar mais atenção da União, secretários de Educação de todo o país estiveram, em dezembro, reunidos com o presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Senador Paulo Paim.
A situação está acima das divergências político-partidárias. É hora de partirmos para uma prática contundente e responsável. O governo federal precisa agir com investimentos tangíveis às reais necessidades e suporte logístico aos municípios e o Estado deve assumir sua parte, sem onerar as prefeituras. Caso contrário, infrige-se a lei de responsabilidade fiscal. Sem um trabalho integrado, ou sem alterações no texto legal hoje em vigência, será impossível cumprir esta missão com a qualidade esperada.
* Ricarte de Freitas é deputado federal, presidente do PTB no
Estado do Mato Grosso e 1º vice-lider do partido na Câmara dos Deputados.
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