Tenho sido instado por muita gente para me posicionar sobre o referendum do próximo domingo. Confesso que resisti muito à idéia, porque vou votar no “não”, mas não tenho motivação para fazer campanha, empunhar essa bandeira.
A nuance que mais me interessa na discussão, e que foi gerada pelo debate na TV, é a questão do direito à vida versus o direito à autodefesa. Ou seja, um direito universal em oposição a outro individual. Acho, no fundo, que esse debate é mais apropriado a advogados, juristas, magistrados, à luz do Direito e da Filosofia.
Tentei achar algo que me ajudasse a entender essa oposição em Montesquieu, já que ganhei do amigo Marco Túlio o “Espírito das Leis” de presente de aniversário. Não consegui esclarecer nada (acho que teria de lê-lo inteiro primeiro, o que ainda não fiz).
Sei apenas que o direito à vida é o mais precioso nas sociedades contemporâneas. É universal exatamente porque é um dos raros casos em que todas as pessoas são consideradas iguais perante a lei, já que não se pode tirar a vida de outra pessoa (no caso das leis brasileiras, sob nenhuma circunstância, porque não temos pena de morte, por exemplo); a não ser em legítima defesa da sua própria vida, mas usando força proporcional à ameaça sofrida, nunca exorbitante.
Mas, o direito à vida também é, ao mesmo tempo, um direito individual, na medida em que toda pessoa, por meios lícitos, tem o direito de defender sua vida contra agressões, ameaças, etc. Por isso mesmo vê-se que não é tão simples falar em direito à vida quando se cerceia uma pessoa de defender-se pelos meios necessários de uma ameaça letal. E a arma de fogo, entre outros meios, é uma dessas maneiras de se proteger a si mesmo e à sua família.
A coisa vai se complicando ainda mais porque a arma tem uma dualidade: serve ao mesmo tempo para atacar e para defender, para tirar a vida e para salvá-la. Logo, a arma em si não seria necessariamente o problema, mas quem a usa, e com qual motivação. Aí esbarramos em valores culturais, educacionais, perícia ao manuseá-la, etc.
As leis atuais já são bastante rigorosas para se permitir que alguém, legalmente, tenha uma arma e possa portá-la consigo ou em casa. Na prática, já é um meio-direito tê-la, em função desses rigores e, também, diga-se, do preço para adquiri-la. Logo, o referendum (excetuando-se seu aspecto do exercício da democracia, uma vez que o povo vai decidir se uma lei terá aplicação ou não, noutro caso raro do princípio segundo o qual “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”), acaba sendo meio inócuo.
Como são inócuos outros aspectos das leis que se propõem assegurar a vida das pessoas, como o direito à comida, à moradia, escola, saúde, trabalho, etc. Sabemos que tem muita gente morrendo de fome, morrendo de miséria, porque seus direitos a uma vida não degradante também não é cumprido.
O direito individual à autodefesa está circunscrito no campo do princípio liberal. E o liberalismo ainda é uma meta a ser alcançada em sociedades atrasadas como a nossa, ainda que depois tenhamos que negá-lo. E implica também responsabilidade com as liberdades conquistadas. Agora, a verdade contra a qual não há argumento, embora mais simplória, nos empurra a votar no “não”: bandido é um fora da lei, e como tal não precisa de autorização para comprar armas nem para matar.
Kleber Lima é jornalista e Consultor de Comunicação da KGM