Quando menino, que fui (ainda sou um tanto), em casa, tínhamos que escolher entre o “corte da luz” ou o “corte da água” (as concessionárias, para isso, são impreteríveis); sempre escolhíamos ficar com a água.
Lembrei-me disso quando conversava com várias empresas, que estão por instalar PCHs (usinas hidrelétricas de tamanho e potência relativamente reduzidos) na região em que vivo. Estávamos reunidos por videoconferência. Eles em salas suntuosas e espelhadas, com ternos elegantes, com técnicos, empresários, advogados,doutores e PhDs, em São Paulo ou Brasília. Juntaram todo esse “instrumental” para me convencer de que os impactos no Rio Cabaçal e no Rio Vermelho seriam “ínfimos e que a empresa é séria e responsável”. Fiquei até triste. Lembrei que gentes e empresas absoluta, totalmente notáveis só são aceitáveis através do cartão-postal — porque afinal fala de si, mas fala pouco.(João do Rio)
Não é razoável reduzir a licença ambiental à condição de autorização administrativa, não é adequado que o direito ao livre exercício da atividade econômica depende apenas do atendimento de determinadas restrições legais (e políticas, talvez mais políticas).
Na visão de mundo dos Mapuches, o maior grupo indígena do Chile, o rio abriga uma força espiritual a ser reverenciada, não um recurso natural a ser explorado. E não são só os Machupes que sabem disso, as pessoas que moram perto dos rios sabem, ou no mínimo sentem, que ele carrega algo a mais que água (que já é vida).
Isso levou muitos mapuches do sul do Chile a lutarem contra usinas hidrelétricas, e está levando os “ribeirinhos mato-grossenses” a lutarem também contra as PCHs.
Brigamos a favor dessa “energia essencial” que nos impede de adoecer.
Esses dias “os ribeirinhos” conseguiram proteger por mais um tempo o Rio Cuiabá. Vi no jornal. Até fiquei feliz. Lembrei e falei dentro de mim: “e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água, que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio acima, rio adentro-o rio.” (João Guimarães Rosa).