O trágico incidente em Foz do Iguaçu mostra o quanto os ânimos estão acirrados por causa da eleição de outubro. Muita gente alerta para o risco de uma ruptura institucional. Essa gente deve estar em outro país, porque rupturas institucionais estão ocorrendo na cara de todos nós. A primeira foi em 31 de agosto de 2016, quando a Presidente foi condenada, mas não respeitaram o parágrafo único do art. 52 da Constituição, pelo qual presidente condenado fica inabilitado de exercer função pública por oito anos. Presidia a sessão de julgamento no Senado o próprio Presidente do Supremo, tribunal guardião da Constituição. Depois disso, infringiram até cláusulas pétreas do art. 5º, em que direitos e garantias fundamentais foram cancelados, a despeito de o art. 60 proibir sua abolição.
Além disso, o art.53, da inviolabilidade de senadores e deputados por quaisquer palavras, foi ignorado, assim como o art. 220, que trata da liberdade de expressão por qualquer processo e a vedação da censura. E, culminando, veio o “inquérito do fim do mundo”, assim chamado pelo dissidente Ministro Marco Aurélio. Um inquérito que deixa perplexo quem pensa que é pedra de toque do direito o devido processo legal. No inquérito, quem se considera vítima ou ofendido é quem investiga, denuncia, julga e pune, seja quem for, mesmo sem ter foro no Supremo. Tudo isso sem falar nas intromissões em outros poderes, como mandar o Senado abrir CPI ou proibir o Chefe de Governo de nomear um subordinado.
Assim, preocupar-se com ruptura futura é passar recibo de alienação da realidade. E quem não fica preocupado com isso, age como o personagem do poema de Milton Niemöller, que relata que um dia levaram seu vizinho judeu, no outro seu vizinho comunista, depois, seu vizinho católico e ele não se importou por não ser judeu, comunista e católico. No quarto dia o levaram e já não havia ninguém para reclamar. Tem gente que até torceu para levarem seus contrários, mas veja o que escreveu Eduardo Alves da Costa, in “No Caminho, com Maiakovsky”. Primeiro roubam nossa flor e nada dizemos, depois pisam no nosso jardim e matam nosso cão e não dizemos nada. Depois, o mais frágil deles entra em nossa casa, rouba-nos a luz e “conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta e já não podemos dizer nada.”
Enquanto for com os outros, silêncio. Mas esse silêncio cúmplice também é um silêncio do suicídio de nossos direitos e liberdades. Está tudo posto na mesa; já aconteceu, já pisaram nas nossas flores, já levaram nosso vizinho. Poucas vozes gritam no Senado, onde se ouve o silêncio da omissão. O ativismo judicial se expande ante o passivismo de senadores, nos quais o medo arranca a voz da garganta. No crime de estupro, a medicina legal estuda o hímen complacente. O Ministério Público, fiscal da lei, nada diz; falam alguns professores de Direito, alguns juristas, e são raríssimas as denúncias pela mídia. No Brasil de hoje, o estupro da Constituição é admitido por mentes complacentes.