O interesse particular do trabalhador que se recusa a tomar vacina contra covid-19 não pode prevalecer sobre o direito à saúde da coletividade. Com esse entendimento, a Vara do Trabalho de Primavera do Leste confirmou a justa causa aplicada a um profissional que atuava no setor de limpeza industrial de um frigorífico em Paranatinga.
Ele começou a trabalhar na empresa em outubro de 2020, durante o primeiro ano da pandemia. Quando as vacinas começaram a ser aplicadas na população, a empresa realizou campanhas de conscientização com os trabalhadores sobre a importância do imunizante. Diante da recusa em ser vacinado, o trabalhador foi dispensado por justa causa em novembro de 2021.
O ex-empregado procurou a Justiça do Trabalho para reverter a justa causa alegando que não tomou o imunizante por acreditar que o produto não tem 100% de comprovação de prevenção da doença, além das dúvidas sobre as consequências futuras para o corpo humano. Disse que tomava todas as medidas necessárias para não se contaminar e afirmou que não existe legislação que obrigue a vacinação, acrescentando ainda que a recusa pode se dar por questões de ordem religiosa, cultural e, até mesmo, partidária, possuindo liberdade de formar seu convencimento.
Ao se defender no processo, a empresa enfatizou que ele foi avisado sobre a importância da vacinação para o controle da doença e que outros trabalhadores foram demitidos pelo mesmo motivo. Os argumentos do trabalhador não foram aceitos pelo juiz da Vara do Trabalho de Primavera do Leste, Mauro Vaz Curvo. Ele explicou que a simples recusa à vacinação por opinião pessoal, convicção filosófica, ideologia político-partidária ou por crença religiosa, não é motivo suficiente para afastar a justa causa aplicada.
Ao elencar a legislação nacional, os atos normativos do Ministério da Saúde e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), o magistrado concluiu que a recusa injustificada do empregado para tomar a vacina pode ser enquadrada como falta grave e, portanto, causar a extinção do contrato de trabalho por justa causa. “É dever do empregado observar as normas de segurança e medicina do trabalho, prevenção de doenças e acidentes adotadas pela empresa”.
O magistrado explicou que o STF reconheceu a legitimidade da vacinação compulsória por meio da adoção de medidas como restrição de atividades e de acesso a estabelecimentos, afastando apenas a possibilidade de vacinação com o uso da força física. A corte suprema considerou que a vacinação compulsória não viola a liberdade de consciência e de convicção filosófica.
Mauro Vaz Curvo destacou ainda que o Ministério da Saúde confere grande importância à vacinação para contenção da propagação do vírus responsável por uma das maiores pandemias da história. Por isso, a sociedade deve adotar medidas paliativas e diretas para conter o contágio. “A bem da coletividade não é dado ao indivíduo fazer prevalecer sua vontade individual sob o argumento de que possui a liberdade de autodeterminação, como se fosse um ser isolado e não um ser que vive em sociedade”.
Ele destacou que todo ser humano é livre, mas tal liberdade é limitada pela própria “liberdade de autodeterminação do outro indivíduo, sob pena de se viver em anarquia social”. “Em outras palavras, não há como defender, nesta hipótese de saúde pública, a prevalência do interesse privado sobre o interesse da coletividade”.
Nas relações de trabalho, a obrigação permanece, não sendo razoável, apontou o magistrado, defender o interesse individual em face da coletividade dos empregados. O juiz destacou ainda a queda nas mortes após o início da vacinação. “A conclusão lógica, portanto, a que se chega é que a vacinação é obrigatória para conter o avanço da morbidade”.
Com estes argumentos, a decisão da Vara do Trabalho de Primavera do Leste manteve a justa causa aplicada pela empresa já que a recusa se caracterizou como mau procedimento, ato de indisciplina e insubordinação.