Diante de graves irregularidades, configuradas pela violação a inúmeros pressupostos normativos de constituição e desenvolvimento válido, o pleno do Tribunal de Contas de Mato Grosso entendeu, por unanimidade, pela absoluta nulidade dos atos e decisões proferidas em tomada de contas ordinária referente a contratos de tecnologia da informação firmados pelo Tribunal de Contas em 2012 e 2015, e extinguiu o processo sem resolução de mérito.
Sob relatoria do presidente, conselheiro Guilherme Antonio Maluf, o processo, decorrente da conversão de representação de natureza interna, foi apreciado hoje, na sessão ordinária remota. Em seu voto, seguindo integralmente o parecer do Ministério Público de Contas e da consultoria jurídica, o relator apontou, além de vícios insanáveis, usurpação da competência conferida ao presidente, pelo artigo 46 da lei orgânica do TCE e pelo Regimento Interno, para receber denúncia ou representação contra servidor ou conselheiro do tribunal, encaminhando-as, se for o caso, ao corregedor-geral ou à comissão de ética, com as observações e providências que julgar necessárias.
“É evidente que a decisão que conheceu a representação em desfavor de conselheiros deste Tribunal afrontou diretamente os dispositivos legais supracitados e, portanto, foi proferida por juízo totalmente incompetente, vício insuscetível de convalidação, nos termos do artigo 64 c/c 281 do Código de Processo Civil”, sustentou o presidente.
Ainda em seu voto, o relator ressaltou a farta e robusta jurisprudência colacionada pelo Ministério Público de Contas quanto à necessidade de se promover a extinção de processo, sem resolução do mérito, nos casos em que não estão presentes os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular, como no caso dos autos.
Acontece que o conhecimento de representações de natureza interna pressupõe o preenchimento dos requisitos, de forma cumulativa, dos artigos 219 e 225 do regimento interno do Tribunal de Contas isto é, ao propor uma representação ao relator, a unidade técnica deverá assegurar que se trata de matéria de competência do TCE, bem como discriminar o ato ou fato tido como irregular ou ilegal e seu fundamento legal; identificar os responsáveis e a descrição de suas condutas; o período a que se referem os atos e fatos representados; e as evidências que comprovem a materialidade e a autoria dos atos e fatos representados.
“Em análise da informação técnica produzida pela Secex de Contratações Públicas, nota-se que não foi elaborada a matriz de responsabilização, com a identificação das condutas dos responsáveis, dos atos ou fatos considerados irregulares ou ilegais e a respectiva fundamentação legal, nem mesmo as evidências relacionadas a cada ato/fato”, decidiu o presidente.
Além disso, continuou o relator, a decisão de admissibilidade proferida em julho de 2019 limitou-se a conhecer a representação “tendo em vista tratar-se de matéria de competência deste Tribunal de Contas, por estarem os relatos acompanhados com indícios dos fatos apresentados e por serem as partes legitimadas”, sem verificação do preenchimento de todos os requisitos estabelecidos no Regimento Interno e sem sequer citar o artigo 225.
O presidente destacou ainda que a observância a princípios e requisitos mínimos nos processos de controle externo de auditoria são fundamentais para a garantia ética e qualidade e que, a exemplo de organismos internacionais, o tribunal vem adotando manuais para a execução dos trabalhos de auditoria com a finalidade de garantir uma fiscalização mais eficiente dos recursos públicos, centrada em critérios como relevância, materialidade e risco, bem como lembrou que o tribunal tem revistado inúmeros processos, com o intuito de reparar qualquer possibilidade de equívoco e assegurar que atuação da corte de contas esteja sempre pautada nos parâmetros regimentais.
Nesse sentido, Maluf pontuou que toda atividade de fiscalização deve, obrigatoriamente, ser precedida da emissão de ordem de serviço eletrônica, que deve conter a definição do supervisor, coordenador, membros da equipe, o objetivo dos trabalhos, o órgão/entidade auditado, a fase de planejamento e, quando conhecidas, as fases de execução e de elaboração do relatório.
Ocorre que, ao analisar a ordem de serviço juntada aos autos, ficou evidente a ausência dos dados obrigatórios. Conforme o presidente, além de não relacionar os objetivos do trabalho nem a fase de planejamento, não há especificação da data de recebimento pela equipe. Soma-se a isso o fato de que o período da atividade de fiscalização, inicia-se bem antes da data de expedição da ordem de serviço pela unidade técnica. Ou seja, a ordem foi expedida posteriormente ao planejamento e início do período de execução da atividade.
“Os vícios expostos acima revelam a transgressão de regras e princípios fundamentais na condução/execução dos trabalhos de fiscalização por parte da unidade técnica, especialmente o artigo 27 da resolução normativa nº 15/2016. Destaca-se, ainda, que não foi possível localizar nenhuma ordem de serviço relacionada ao processo apenso aos presentes autos, que trata de representação de natureza interna para apurar eventuais irregularidades no Contrato nº 07/2015 do TCE-MT”, disse o relator em trecho do voto.
Outro ponto importante, segundo ele, diz respeito a conexão entre o presente processo e o processo de auditoria 34.025-1/2018, que foi extinto sem resolução de mérito em razão de graves vícios insanáveis detectados pelo Ministério Público de Contas e acolhidos pelo relator e membros do Tribunal Pleno na sessão plenária de 14 de julho deste ano, consoante se denota do recente Acórdão 292/2021-TP.
De forma similar, a auditoria deixou de observar diversos requisitos para instauração e execução processual previstos na resolução normativa 15/2016, a exemplo de inconsistências na definição do escopo e na matriz de planejamento, inobservância às normas do manual de auditoria e ausência de ordem de serviço.
“O reconhecimento dos vícios acima como nulidades absolutas, que macularam a integralidade da auditoria e ensejaram a revogação de todas as decisões proferidas e demais atos processuais produzidos, contaminam diretamente os presentes autos, provindos daquele feito”, analisa Maluf.
Diante das graves irregularidades evidenciadas nestes autos, configuradas na violação a inúmeros pressupostos normativos de constituição e desenvolvimento válido, bem como da impossibilidade de convalidação de nulidades absolutas, o relator concluiu, em sintonia com a manifestação jurídica e ministerial, que os atos deveriam ser extintos, sem resolução de mérito, sendo seguido por unanimidade do pleno.